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Rosa & Romances

Rosa & Romances

Atalaia 4 - [capitulo 18]

 

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-Meu irmão… - Um chamamento brusco rasgou o silêncio do lugar e Maria Madalena sobressaltou-se.

Junto ao cruzeiro da igreja, abaixo do rochedo que servia de guarita, uma figura masculina, de porte jovem e atlético, com os cabelos longos, esvoaçando à brisa da manhã, reclamava a atenção de Miguel!

-Miguel, meu querido e amado igual…como é doloroso o meu sofrimento! – O lamento de Gabriel denotava um infligido martírio!

Miguel despertou e alarmado desceu o rochedo em desenfreada corrida, deixando Maria Madalena entregue a si própria.

-Que se passa Gabriel? Porque te vejo aqui? – Questionava Miguel enquanto corria ao encontro do irmão.

Gabriel clamou, num brado rouco:

-Anuncio a morte de nosso pai!

Miguel já não conseguiu alcançar o irmão e atirou-se em desespero contra o chão pedregoso do caminho.

O irmão veio ao seu encontro e antes que Lena o pudesse consolar, os dois jovens abraçaram-se chorando.

-Que dizes? Que má nova me trazes! – Lamentava-se Miguel.

-Nosso pai expirou esta noite, depois de uma lenta agonia! – Explicava Gabriel.

-Por minha culpa, por minha tão grande culpa… - Responsabilizava-se Miguel, enquanto o irmão parecia confirmar, lançando sobre Lena um olhar trespassante.

Maria Madalena já tinha visto aquele olhar, era o mesmo que Gabriel lhe tinha atirado em casa de Mónica, no quintal da avó Bia.

-Vamos. Está na hora de regressar a casa. – Sentenciou Gabriel, enquanto amparava o irmão e o fazia acompanhá-lo.

Lena seguia-os como um autómato. Despertara de um sonho para viver um pesadelo!

Ao mesmo tempo, na cabana, com a agilidade de uma pequena gazela e os olhos argutos de um lince, Elizabeth catava sobre a almofada, uma considerável colecção de fios de cabelo feminino!

Maria Madalena teve que fazer um certo esforço para se aproximar dos irmãos e quando os alcançou fez questão de apoiar Miguel.

O rapaz porém parecia arisco e continuou a preferir a protecção do irmão. Em poucos minutos fizeram o caminho de volta e Gabriel fez saber que tinha o transporte junto à cabana central. Nessa altura Miguel, bastante desconsolado, retirou do bolso a chave e pediu a Lena que regressasse à cabana onde tinham permanecido e fosse buscar os seus pertences.

A rapariga acatou o pedido e encaminhou-se pelo trilho que a levava lá.

Quando se aproximava viu sair das traseiras da casa a pequena Elizabeth! Chamou-a:

-Elizabeth, necessitas de alguma coisa?

A rapariga abanou-lhe a cabeça em sinal negativo e desapareceu apressada, por entre a vegetação.

Lena meteu a chave à fechadura e entrou na cabana. Todo o espaço estava ainda impregnado pelos odores de cada um. Dirigiu-se ao quarto, afagou os lençóis brancos e aconchegou-se no local onde Miguel tinha descansado. Perdeu-se assim alguns segundos até que achou por bem terminar aquele lazer, recolher os seus pertences e a bagagem de Miguel.

Com os sacos arrumados, fechou a porta e regressou ao pavilhão central.

Quando chegou não viu ninguém e foi chamando Mestre Elias.

O homem apareceu do interior da casa e cumprimentou-a com um aceno.

-Pode dizer a Miguel que já tenho tudo!

-Sente-se menina… vamos tomar um chá. – E Mestre Elias dirigiu-se ao guarda-louça e retirou duas chávenas. Indicou a Lena, um lugar à mesa e preparou a bebida.

-Micha’el pede a sua compreensão.

-Sim. – Garantiu Lena.

-Ele e Gabriel optaram por não esperar…a viagem é longa e a cerimónia fúnebre não pode aguardar.

Lena ficou desiludida. Miguel tinha-a abandonado sem dó nem piedade!

-E os seus pertences?

-Que os entregue a Mónica que ela lhos guardará!

Lena sentiu o olhar turvo e uma lágrima teimosa, ameaçava cair. Limpou a cara e procurou recompor-se.

Não sabia ela ao que vinha?! Se não acabasse assim, acabaria de outra forma.

Estendeu a mão a Mestre Elias e o homem tomou-a entre as suas. O contacto porém foi arrepiante pois sentiu-lhas frias de neve, geladas, quase mórbidas!

-Quer que mande alguém acompanhá-la? – Perguntou o ancião.

-Não há necessidade! É só descer o trilho, atravessar a ponte e encontrar o carro.

-Isso mesmo! – Garantiu o homem. – Espero que a estadia tenha sido do seu agrado. – Lançou ainda, mas Lena já não estava disposta a sentir, ver ou ouvir mais nada.

Apressou o passo e foi desaparecendo. Logo que encontrou o veículo, despachou-se a colocá-lo em marcha.

Percorreu a estrada estreita e saiu pelo portão de ferro que servia de entrada para o retiro. Praticou, no entanto, uma fuga à tangente, porque a traseira do carro escapou-se por pouco, ao choque violento que o fecho imediato do pesado portão lhe poderia ter causado!

 

Pouco passava das nove da manhã quando entrou no apartamento. Todos os espaços permaneciam fechados e em silêncio, excepto a cozinha onde mexia gente.

Mónica parecia que a aguardava, sentada à mesa com a cabeça entre as mãos.

Lena soube de imediato que ela já estava informada do sucedido.

-Foi um duro golpe para Miguel! – Murmurou.

Lena sentou-se junto dela.

-Ele ficou arrasado! – Disse.

A amiga consentiu.

-E tu, como estás?

Lena queria gritar que estava desolada e que sentia muito a falta de Miguel mas nada disse.

-Porque não acatou ele os meus conselhos. – Mónica parecia agora falar sozinha.

-E que conselhos foram esses… - Quis saber Maria Madalena.

-Que ficasse, que não fizesse aquela visita!

-À madrinha? – Quis saber.

-Sim… aos familiares que ele evocou. Eu tinha um mau pressentimento.

Lena considerou então que Mónica desconhecia os factos verdadeiros inerentes aquela estadia. Então, também não seria ela, quem lhos confessaria.

-Miguel mandou que guardasses os seus pertences.

Mónica abanou a cabeça que sim:

-Vou fazê-lo. – Acrescentou. - Amanhã regressarei a casa! – Sentenciou.

-Porquê? – Quis saber Maria Madalena.

-Estou aborrecida destas férias, além de que esta situação que aconteceu ao Miguel, me deixou sem ânimo!

Lena ponderou a questão e viu que também ela, já nada fazia por ali.

-Amanhã partiremos juntas. Vou levar-te a Portalegre.

Mónica ficou-se por ali e Lena dirigiu-se à “suite”. Magda dormia tranquila.

O pior seria convencê-la a partir para a aldeia, uma semana mais cedo. E sem Magda, Lena nem poderia pensar em aparecer por lá.

Deitou-se de mansinho sobre a cama, aconchegou-se e lavou a alma com o sal das lágrimas. Vieram envolvê-la as recordações da noite anterior e reviveu-as uma e outra vez, até ficar vencida. Em determinado momento, entre a sonolência e o despertar, recordou-se que algo não fazia sentido. “Se Mónica acreditava que Miguel visitara a Madrinha, quem informara Gabriel do paradeiro do irmão. E se não foi Mónica, quem a informou a ela da morte do pai de Miguel!”

Um torpor dormente não a deixou reagir, teria que averiguar a questão só quando despertasse.

 

Pouco passava do meio-dia quando Lena reagiu, avivada pelo remexer que ia no espaço. Magda vestia-se e despia-se, parecendo não lhe agradar a indumentária. Estava certamente a preparar-se para sair por isso Lena, achou por bem, informá-la da sua anterior decisão.

-Magda…talvez tenhamos que regressar mais cedo.

-Porquê? - Questionou a rapariga.

-Sabes da fatalidade que envolveu a família de Miguel…

-Sim e daí? – Disse a rapariga sem grande embaraço. – Coisas que acontecem! – Acrescentou.

-Mónica tem intenção de partir e eu penso fazer-lhe companhia. – Evocou Maria Madalena.

-Então já estás atrasada porque Pedro acabou de a ir levar ao autocarro!

Lena ficou perplexa. Mónica também tinha partido em segredo. Era mais que evidente que ela não era bem-vinda por perto.

-Ah…e outra coisa. Meu primo tem tido o telemóvel estragado e por isso pediu à mãe que o contactasses para este número. Esperava o teu telefonema ontem pelas nove da noite! – Magda entregou-lhe um papel com um contacto telefónico anotado.

Maria Madalena procurou recordar-se do que fizera ontem às nove da noite e uma onda de prazer percorreu-a. De todas as formas o dever chamava-a e parece que estava na hora de ela regressar à vida normal.

Levantou-se, procurou o telemóvel, introduziu o número e afastou-se para a varanda da suite. Esperou apenas alguns segundos:

-Boa tarde, fala o Alexandre…

-Olá Alexandre é a Lena…

-Ah! Como estás? O Paulo está mesmo aqui.

A voz de Paulo soou-lhe com indiferença:

-Princesa há quanto tempo. Pensei que tinha que regressar mais cedo, só para poder ouvir a tua voz.

-Está tudo bem Paulo. Eu liguei-te várias vezes. – Quis confirmar a rapariga.

-Sim…pode ser, mas o meu telemóvel pifou e até que compre outro, vou ter que me valer da máquina do Alexandre. Então como têm sido os dias na praia?

-Um pouco aborrecidos…estou a pensar regressar mais cedo a casa.

-Fazes bem porque tenho um convite especial para te fazer!

A rapariga ficou muda com o aparelho colado ao ouvido.

-Não queres saber a surpresa que tenho para ti? – Perguntou Paulo com languidez.

-Sim… - Soltou Lena com apreensão.

-Soubemos ontem que vamos ter uma semana de folga, até que se inicie a construção de um novo empreendimento. Quero que venhas passar esses dias comigo!

Maria Madalena estarreceu.

-Que dias? – Balbuciou.

-A primeira semana de Setembro. Para mim torna-se muito apertado para ir a Portugal e voltar mas tu, que podes movimentar-te sem teres que cumprir prazos, virás até cá e passaremos juntos, esse tempo.

-Não sei se posso… - A mente da rapariga parecia um cata-vento, procurando razões plausíveis para se escusar a tal destino.

-E porque não? – Insistiu Paulo.

-Não sei Paulo… fui apanhada desprevenida. Que queres que te diga? – Lena respondeu com azedume.

-Que me amas, que tens saudades minhas, que queres correr para os meus braços!

-Ando nervosa com os preparativos do casamento. – Alegou a rapariga, sem saber que mais lhe havia de dizer que o contentasse.

-Sim…mas não vai entrando tudo nos eixos? Minha mãe informou-me que os documentos já estão nas mãos do padre e que ele está a tratar dos papéis.

-Sim claro…mas e o vestido?

-O que tem o vestido? – Questionou Paulo.

-Ainda não o escolhi e tinha precisamente combinado com a minha tia Celeste, que nos primeiros dias de Setembro, iríamos a Lisboa para o fazer.

-Ora se não fores nos primeiros, vais nos segundos. Linda como és qualquer trapinho te assenta bem! – Ironizou o rapaz, para depois concluir: Cá te espero Princesa, vou marcar a viagem de avião!

Maria Madalena entrava em desespero e um grito rouco, libertou-se-lhe da garganta:

-Não vou… - Para depois se recompor e acrescentar: Não poderei fazer essa viagem sozinha de avião. Tenho pânico de voar!

-Como sabes se ainda não experimentaste? – Quase que Paulo também gritou.

-Não interessa, sei!

-Não queres vir? Não é verdade. Sabe Deus o que tens feito por aí sozinha. Aí não tens medo, nada te incomoda. Só quando estás junto de mim é que as queixas sucedem.

Lena escutava e sentia o comboio prestes a descarrilar mas não estava disposta a viajar para a Suíça e envolver-se numa lua-de-mel antecipada.

-Princesa…preciso de ti! – Paulo suspirava.

-Paulo acalma-te. Guarda o dinheiro da viagem para comprar-mos uma televisão para a cozinha. Já até escolhi o local! Daquelas fixas na parede! – Lena procurava apelar ao sentido económico do rapaz.

-Mas a cozinha está forrada de azulejos caríssimos até ao tecto! – Paulo começava a fazer contas de cabeça.

-Sim…por isso mesmo. Vai ser necessário partir alguns e substituí-los. – Lena acrescentava, deitando lenha na fogueira. – E além disso há mais umas tantas coisas que são necessárias para casa e que teremos de comprar mal tu chegues.

-É verdade…faltam sempre coisas. Talvez esta viagem esteja fora de oportunidade.

-Claro que está! Olha… Magda está mesmo aqui comigo.

-Dormem juntas?

-No mesmo quarto…

-Eu também queria aí estar…para te abraçar. – Balbuciou Paulo.

-E vais estar… é só dares tempo ao tempo.

-Princesa…envia-me algumas fotos tuas. Tenho muitas saudades.

-Vou mandar…-Lena consentiu.

-Vou beijá-las muito…

-Um beijo. – Disse Lena, disposta a rematar a conversa.

-Diz que me amas… - O rapaz insistia.

-Paulo…sabes em quanto este telefonema me vai ficar? Balúrdios.

-Sim…claro. Tens razão. Eu depois telefono-te. Não te esqueças de me escrever e envia as fotos. Amo-te muito. Sou louco por ti. Agora desliga, não gastes mais!

Lena apertou com força o botão vermelho e respirou de alívio.

 

Os dias sem a presença de Miguel e o apoio de Mónica, tornaram-se extremamente enfadonhos e Lena não via o dia de retomar o caminho de volta a casa.

Alegando com Magda que o primo a tinha incumbido de resoluções inadiáveis, conseguiu acordar com a rapariga que regressariam a meio da semana. Aproveitou então para meditar, passando muitas horas em casa e frequentando muito menos a praia. Mesmo assim ainda tirou, junto ao mar, várias fotos que despachou para a Suíça em nome de Paulo.

Na quarta-feira ao entardecer, foi dar um último passeio à beira-mar, enquanto o restante pessoal tinha preferido ir ao Centro Comercial.

Vagueou pela praia, deixando as ondas envolverem-lhe os pés. Apanhou algumas conchas interessantes que pretendia levar de oferta a Vera e foi, por fim, sentar-se na mesma duna onde tinha assistido ao pôr-do-sol, na companhia de Miguel.

O entardecer daquele dia de Verão estava tão morno e agradável, que a rapariga deixou-se ficar por tempo indeterminado. O rumorejar das ondas, qual canção de ninar embalava-a com delicadeza e uma sensação de relaxamento e bem-estar tomou conta do seu ser. Sentia a presença e a respiração de Miguel. As suas mãos que a aconchegavam e a sua voz doce que a confortava. Se um dia pudesse mudar a sua vida, se aquele compromisso com Paulo se esfumasse, partiria em busca de Miguel. No seu peito um vazio incomodava e uma mágoa tornava-se perturbante. Não sabia porquê mas tinha a sensação que devia prolongar aquele momento e aguardar pelo ocaso do sol. Talvez Miguel se manifestasse através desse momento mágico.

A areia vibrava ao sentir-se pisada e Maria Madalena fechou os olhos para aguçar a sua sensibilidade. Havia gente na praia, embora a sua maioria, permanecesse junto ao mar. Mesmo assim qualquer um poderia passar por aquela duna. Mas este era um sítio especial, um lugar dela e de Miguel e só ele teria a permissão de pisar o solo sagrado.

Nas suas traseiras, o ruído de passos pisando a areia, estava cada vez mais vincado e Maria Madalena desejava que a qualquer momento a figura desejada de Miguel fizesse o seu aparecimento. Não sabe como reagiria mas queria muito abraçá-lo e beijá-lo. Unir-se e realizar-se nele.

Miguel estava tão perto que lhe sentia a respiração ansiosa e o corpo de Lena já reclamava o toque suave das suas mãos.

Não o afugentaria, não questionaria as suas razões, não se mostraria ofendida ou atraiçoada. Ao invés seria meiga, doce e carinhosa, saberia falar-lhe ao coração e procurar junto dele, uma rota segura.

A presença do rapaz era agora real para Lena e a rapariga estendeu a mão na esperança de sentir o toque sedoso dos dedos de Miguel.

Uma pressão violenta envolveu-lhe o pulso e uma presença importuna, impôs-se!

Lena esbugalhou os olhos e viu, sentado a seu lado, Sérgio com toda a sua insolência.

O primeiro impulso da rapariga foi levantar-se e desaparecer dali, mas a força do homem mais uma vez se afirmou.

Encostou a sua boca ao ouvido da rapariga e sussurrou:

-Finalmente tenho direito ao meu passeio ao entardecer. Está atrasada cinco dias! – Sentenciou.

-Não estou atrasada, nem adiantada, simplesmente não estou disponível para o fazer.

-Veremos. – O homem levantou-se e quase arrastou a rapariga com a sua força, exigindo que o acompanhasse.

Aprisionada pela mão forte de Sérgio que continuava a apertar-lhe o pulso com violência, Lena foi caminhando ao lado do professor.

-Para quê tanta pressão, se somos adultos e civilizados. – Quis Lena apaziguar.

O homem pareceu enlouquecido:

-Não me venha com falinhas mansas. Estou farto de me ver passado para trás. Tem um dever para comigo e vai cumpri-lo!

Lena voltou a falar com toda a delicadeza:

-E que dever é esse? Poderemos entrar num acordo.

-Sim…claro que sim é só diante do juiz, utilizar a palavra sim!

Sérgio, por incrível que lhe parecesse, estava certamente a falar em casamento.

-Saiba o senhor que casei há pouco tempo! – Atirou a rapariga como quem lança uma pedrada. E foi assim que o homem a recebeu. Deu um puxão no braço de Lena e obrigou-a a deter-se.

O seu olhar estava mesclado de desespero e ira.

-Se tal acontecimento fosse real, a sua vida ficaria nas minhas mãos!

Pela primeira vez Lena teve receio do comportamento de Sérgio. Parecia uma pessoa totalmente descontrolada, obcecada, paranóica.

-Queira libertar-me ou faço queixa às autoridades. – A rapariga jogou.

-E de que te queixarias? – Questionou com ironia.

-De perseguição, de atentado ao pudor, de violentação…-Lena vincava as palavras de forma a fazê-lo entender que estava na hora de parar.

-Se acaso o fiz, quero repará-lo. Poderás seguir comigo hoje para Vilamoura. Em vinte e quatro horas terei tudo tratado e sexta-feira, já estaremos casados.

Embora receosa Lena tinha vontade de rir. A sua situação era tão caricata que se tornava até divertida.

Olhou em redor. Poucas pessoas já permaneciam na praia e com o caminhar, Sérgio tinha-a levado para um lugar mais deserto.

-Professor, o senhor é um homem íntegro, inteligente e agradável…em tempos os nossos caminhos cruzaram-se… hoje sigo outro rumo. Lamento. Somos adultos, compreendemos que as coisas têm um princípio e um fim. O nosso relacionamento terminou. Eu casei por procuração, antes de vir para o Algarve. O meu actual marido está no estrangeiro e em breve vou juntar-me a ele.

-Claro que eu não acredito em uma única palavra do que disse. Mas saiba que o tal rapazinho vai ser posto ao corrente da situação e talvez o divórcio ocorra ao mesmo tempo do casamento.

O sol começava a perder-se no horizonte. Maria Madalena sentia-se agora extremamente melancólica. Sentia a pressão de Sérgio a magoar-lhe o pulso e a sua ameaça directa sobre a sua vontade.

-Veja…como o sol se vai tão vibrante! – Disse a rapariga com resignação.

-Lena sentemo-nos, sempre sonhei com este momento. – A voz de Sérgio era agora uma prece.

Que mais restava a Lena. Sentou-se na esperança que Sérgio afrouxasse o apertar do seu pulso.

Os vários matizes de luz vermelha pareciam afoguear e um brasido incandescente avivava ao soprar da brisa. Lena fixou a bola de fogo e esticou o indicador da mão direita.

-Veja que fenómeno extraordinário…o sol no ocaso solta raios como se estivesse a nascer!

Sérgio olhou o sol de frente e um clarão resplandecente, como um relâmpago, produziu uma faísca. O homem sentiu uma dor aguda e dilacerante. Levou as mãos aos olhos e gritou, em sofrimento:

-Estou cego, estou cego!

Lena levantou-se com rapidez e não raciocinou. Em vez disso o instinto animal comandou-a. Correu, correu muito… para longe do alcance de Sérgio.

 

 

Refugiou-se em casa, procurando esquecer aquele indesejado encontro e sem nada querer saber do seu final.

Aproveitou para emalar todos os pertences e informou Magda de que pretendia fazer a viagem de regresso, logo de manhã, pela fresca.

Dado que Pedro e as meninas, Sara e Adília, acabaram também por resolver seguir com elas, a noite de quarta-feira serviu para o grupo se despedir do Algarve.

Quando eles saíram, Lena trancou bem a porta e foi resguardar-se na sala de estar a ver televisão.

Aqueles momentos de meditação trouxeram-lhe à memória várias situações vividas durante aquelas férias, especialmente as que envolveram Miguel e as últimas passadas no “Retiro das almas”. Alguns rostos povoavam-lhe as lembranças e um deles era o de Elizabeth. Aquela fisionomia angelical, quase lhe parecia irreal. Mesmo assim, sabia que já se tinha cruzado com ela. Devia ter sido apenas num flash, porque só o brilho do olhar que parecia reflectir o céu, Lena tinha retido. Quanto às restantes feições não tinha fixado pormenores suficientes. Por outro lado, também estranhava a diferença considerável entre a idade da criança e a dos restantes irmãos.

Enfim… apenas pormenores que acentuavam o caricato da situação e não deixavam de fazer sorrir Maria Madalena. Para que quereria Elizabeth os fios do seu cabelo?

Se tivesse podido comentar algumas destas questões com Mónica, que respostas metafísicas não teria esta arranjado. Gostava de Mónica, embora ficasse melindrada com a forma como a rapariga a passava para trás. Talvez faltasse entre as duas um diálogo franco e aberto…talvez!

A mente de Lena fixou-se depois nas lembranças vivas que envolviam aquele casamento simbólico! O ritual com a lagoa das maçãs, a indumentária e especialmente aquele santuário tão idêntico à igreja do lugar da Atalaia. Parecia apenas que o espaço tinha parado no tempo, aliás como todos os seus moradores!

Os olhos azuis de Elizabeth perseguiam-na e Lena começava a ficar incomodada com essa insistência mental.

-Elizabeth…? – Lena chamou sem razão.

A televisão ligada apresentava uma série estrangeira, que a rapariga seguia sem interesse.

Não queria ser ridícula mas, naquele momento, tinha a sensação de não estar sozinha em casa!

Aumentou o volume da televisão para afugentar possíveis ruídos que a poderiam deixar alarmada e procurou fixar a atenção no enredo da história.

Era uma vulgar série de investigação onde, qualquer mente criminosa dava trabalho à polícia.

Seguiu o enredo com algum interesse e foi sossegando o espírito. Relaxou, apaziguou e procurou ocupar a mente com memórias mais comuns. Entre os olhares que deitava à série e o semicerrar dos olhos que já sentia pesados…viu surgir-lhe uma mão branca e pequenina que lhe estendia um objecto:

-A sua amiga deixou cair isto…da bolsa, quando tirou a carteira.

Lena deu um pulo no sofá.

Era Elizabeth… a miúda loura que lhe entregou o cordão que Mónica tinha perdido. Esse cordão era o amuleto de Miguel que Mónica catou entre os pastos secos da berma da estrada. Miguel tinha perdido o cordão naquele lugar! Como e porquê?

Se pudesse Lena iria de imediato ao lugar da Atalaia. Só não sabia muito bem para quê! Mais fácil seria voltar ao “Retiro” e questionar Elizabeth. Mas neste momento, pela calada da noite, tal resolução seria impossível, até para ela que não se julgava impressionável!

 

Atalaia 4 - [capitulo 17]

 

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Miguel apareceu com um sorriso tentador:

-Entrai agora… sem roupa! – E aproximou-se para a segurar.

Lena averiguou se estariam mesmo sozinhos e Miguel garantiu-lho.

Em breves momentos a rapariga escorregou para dentro de água. O cheiro agradável a maçã era tão intenso que Lena sentiu-se estonteada.

Miguel amparou-a e disse-lhe baixinho:

-Deveis agora escolher uma dessas maçãs e dar-ma a comer!

Lena queria rir da situação mas estava tão imersa nela que não possuía entendimento nem vontade própria.

-Qual? – Perguntou.

-Terás que ser tu a escolher.

Lena entendeu o braço e pegou numa maçã das mais tentadoras: vermelha, macia e…

Miguel recebeu-a e trincou-a:

-doce! – Murmurou.

Deu-lhe então uma segunda dentada:

-Partilhemos…

Procurou a boca de Lena e depositou-lhe parte do pedaço arrancado.

-Saboreemos juntos.

Enquanto manjavam, beijavam-se, enquanto se beijavam, deliciavam-se…

Durou segundos, aquele enlevo, até que o pequeno naco de polpa se viu transformado em sumo de beijos.

Miguel reagiu a pouco e pouco, para ciciar depois, com ardor:

-Agora que tu me tentaste e eu cedi, abracei o pecado e a luxúria e deixei-me inebriar no perfume e sabor do fruto proibido, nada já me impede que te aprecie, te toque, te penetre, te possua e atinja, na prática da lascívia sexual, o auge do prazer humano.

Maria Madalena encostou a cabeça ao peito do rapaz e repousou sobre ele. Miguel acarinhou-a.

-Minha Deusa…é preciso revigorarmo-nos, pois espera-nos uma noite arrebatadora! – Comentou com malícia. - Que dizes a umas braçadas? – Acrescentou.

Lena não se fez rogada, mergulhou e ganhou-lhe a dianteira.

-Espera trapaceira, só ganha quem conseguir mordiscar mais maçãs! – Brincou Miguel.

Lena abocanhou a primeira com o intuito de iniciar a contagem mas as maçãs escapavam-se-lhe sucessivamente sem que conseguisse ferrar-lhe o dente!

Miguel qual ser natural, sofria do mesmo problema.

Gargalhadas de divertimento ecoaram então pelo ar e neste jogo de Adão e Eva, com maçãs pelo meio, o par conheceu a verdadeira felicidade, vivida no jardim do éden!

 

Ao toque dos sinos, Miguel fez saber que estava na hora de se prepararem pois o santuário estava aberto para a cerimónia. O par abandonou a lagoa, vestindo a pouco indumentária que tinha trazido e fez o caminho de regresso à cabana.

Quando se aproximaram do lugar, Miguel informou que precisava de se deslocar à cabana central para pedir as vestes e os adornos, que faziam parte da simbologia cerimonial.

Maria Madalena só entrou em casa quando viu Miguel atravessar a ponte e desaparecer. Depois foi averiguar se havia algo que se comesse. Procurou na pequena cozinha e abriu o frigorífico. Este estava recheado de manjares e acepipes. Carnes frias, alguns salgados e vários doces. Apeteceu-lhe sentar-se e desfrutar de uma fatia de semi-frio de chocolate. Enquanto saboreava a suprema delícia, averiguou a situação em que se encontrava envolvida. Desde que chegara aquele espaço que tudo o que a rodeava, de tão perfeito e sublime, lhe parecia etéreo e irreal. Quanto mais julgava ver em Miguel, um ser humano vulgar, mais o rapaz a surpreendia com reacções e confidências fabulosas. Depois vinha ainda aquele invulgar e fictício casamento. Essa era a brincadeira que menos lhe agradava. Se Paulo viesse a sonhar com tamanha irresponsabilidade, subiria pelas paredes!

Um pequeno toque na janela das traseiras, fez Maria Madalena sobressaltar-se. Virou-se e um sorriso angelical mostrou-se para ela. Elizabeth, a miúda loura, assomava-se à janela! Lena levantou-se e abriu a vidraça:

-Olá! – Cumprimentou.

-Estais sozinha? – Indagou a rapariga.

-Miguel foi à cabana central. E tu desejas alguma coisa?

-Não…andava por aqui! – Soltou a rapariga enquanto averiguava em redor.

-Queres entrar? – Perguntou Maria Madalena.

-Não…Micha’el ficaria zangado.

-Queres bolo? – Interrogou Lena.

-Não como doces… só legumes e fruta! – A criança mantinha o olhar suspenso sobre ela, quando voltou a pedir: – Podeis dar-me um fio de vosso cabelo?

Maria Madalena esboçou um sorriso, a miúda quase que a hipnotizava, ao mesmo tempo que voltava a insistir naquele insólito pedido!

-E para que o desejas?

-Para guardar! É bonito!

-Sim…é macio e brilhante mas o teu parece ouro!

-Ireis casar-vos hoje. Eu poderia adornar a vossa coroa com esse fio de cabelo. – Adiantou a rapariga.

-Sabes que este casamento é a brincar e que os adornos, da dita coroa, não me preocupam!

-Micha’el não brinca! Faz cumprir sempre a sua vontade.

-Tu sim…deves obedecer-lhe. E olha que ele… não pareceu gostar muito dessa ideia.

O som de passos no carreiro, fizeram a rapariga saltar como uma corsa e embrenhar-se, num ápice, por entre a vegetação, desaparecendo tal como tinha surgido.

Miguel apareceu munido de algumas vestes e vários adornos. Enquanto entrava e pousava os objectos foi logo informando:

-Falta pouco mais de meia hora. Teremos que nos apressar pois a comitiva virá buscar-nos muito em breve!

Lena que retomara o manjar do semi-frio ficou com a colher suspensa à entrada da boca:

-A comitiva?! – Quase gritou.

O rapaz viu-a transtornada.

-A família de Mestre Elias acompanha-nos até ao santuário…

Maria Madalena perdeu o apetite e levantou-se para enfrentar Miguel:

-Mas tu mesmo garantis-te que não haveria ninguém! Que não passaria de uma cerimónia fictícia.

Miguel reafirmou, muito calmo:

-O que eu disse foi que não haveria nem padre, nem juiz, nem papeis…

-E que comitiva é essa, um exército de gente.

-Tens razão! Uma legião de anjos…tudo gente boa.

A rapariga atirou-se para o sofá desconsolada. Detestava a forma como as coisas estavam a evoluir:

-Miguel… estamos num lugar paradisíaco do qual podemos desfrutar. Esta cabana é um dos espaços mais românticos a que já tive acesso e tudo à sua volta é edílico e fascinante. Tudo bem se achas que devemos passar por esta ou aquela nuance, respeito as tuas necessidades e até vibro com esses jogos eróticos mas…haverá necessidade de nos sujeitarmos a um casamento, ainda que simbólico.

-A ideia assusta-te não é verdade? – O rapaz aproximou-se e olhou-a de frente.

-Tu sabes muito bem…que estou comprometida.

-Na vida real.

-Sim…na vida real.

-Mas isso não te impediu de te entregares fisicamente a Sérgio! Então porque te há-de afligir, representar figurativamente, o papel de minha esposa!

-Porque me tortura esta brutal necessidade que todos têm, de casar comigo!

O rapaz sentou-se de mansinho junto dela:

-Para mim, esta cerimónia é apenas um meio para atingir um fim! A minha condição de renegado durará apenas doze horas. Aceitando-o, teremos a possibilidade de prolongar e consumar a união física, caso contrário, devo regressar à minha categoria e abandonar o retiro de imediato.

Lena nada respondeu e fez-se um momento de suspense entre os dois. A rapariga avaliava a decisão que deveria tomar. Abandonou-se ao abraço de Miguel e este beijou-lhe a testa com ternura ao reconhecê-la vencida.

-Creio em ti!

-E fazes muito bem.

-Que é preciso que eu faça? – Perguntou.

-Que te embelezes e sejas a noiva mais linda do Olimpo. – Miguel levantou-se e estendeu-lhe um vaporoso vestido branco que parecia tecido pelas mãos de uma fada. A rapariga ficou esmagada pela excelência da veste. Era apanhado no pescoço e caía a desejo até aos pés, deixando apenas os braços a descoberto.

-Sapatos? – Perguntou a rapariga.

-Pés desnudados. - E ela consentiu com a cabeça.

Depois Miguel mostrou-lhe a graciosa coroa de flores campestres que devia usar na cabeça.

Em pouco tempo estavam prontos. Miguel trajava de cinza e azul e o modelo da sua roupa aproximava-se muito dos primitivos, uniformes militares. Levava ainda traçada pelas costas uma sublime capa de tecido dourado.

No alpendre exterior da cabana mais de uma dezena de seres, vestidos com cores claras, aguardavam-nos.

Mestre Elias aproximou-se, apresentando a esposa e a prole:

-Bethshan, minha mulher e meus filhos: Eliasar, meu filho varão, sua esposa Karhain e as duas filhas Elika e Kelia. Elíada, minha filha do meio, seu esposo Emanuel e o filho Eliel, meu terceiro filho Elohin, sua esposa Zuar e seu filho Elizur e a nossa pequena Elizabeth já vossa conhecida.

Maria Madalena estranhou todos os nomes e surpreendeu-a a parecença entre si de todas as crianças. No entanto, agradou-lhe a simpatia dos seus modos.

Miguel deu a mão à prometida e seguiram na frente da comitiva, galgando o caminho que subia e rompia o acidentado do terreno.

No cume de um monte próximo, ficava suspenso o santuário. Estava virado a ocidente e o caminho que levavam, só permitia ao viajantes, constatarem as traseiras da capela, mesmo assim, Maria Madalena, estava para jurar que as suas formas não lhe eram desconhecidas. Quanto mais se aproximavam e rodeavam a construção para alcançar a entrada principal mais a rapariga se certificava de que conhecia a estrutura. Mas foi só quando ficou de frente para ela que pode constatar essa veracidade.

-Conheço este santuário. – Parafraseou enquanto estancava à entrada do pátio.

-É o Santuário da Vigia, virgem do retiro. A estrutura é medieval, igual a tantas outras.

-É demasiado semelhante a um lugar que conheço, só que aquele está profanado e em ruínas!

Mestre Elias veio saber se havia inconveniente.

Miguel sossegou-o. Rodeou os ombros da rapariga e fê-la continuar. Maria Madalena estava amedrontada e não fosse o abraço reconfortante de Miguel ter-se-ia evadido, ladeira abaixo.

Entraram. O espaço era fresco e acolhedor e o santuário estava majestosamente ornamentado.

A comitiva ficou no exterior e a porta fechou-se, isolando o par no interior da capela. Miguel conduziu Lena até ao altar. Uma imagem de Cristo feito homem adornava a capela-mor expondo ao seu lado uma encantadora figura feminina.

-Ajoelhemo-nos…- Indicou Miguel.

A rapariga obedeceu ficando perante a mulher e o rapaz perante o homem.

-Baixai a cabeça e cerrai os olhos! – As palavras de Miguel surgiam agora aos ouvidos de Lena como uma música inebriante.

-Perguntai-me com estas minhas palavras: Miguel, feito homem, aceitas receber como tua amante, esposa e companheira, Maria Madalena aqui presente!

E o rapaz respondeu:

-Sim, aceito!

Depois foi a vez de ele questionar:

-Maria Madalena, carne da minha carne, aceitas receber como teu amante, esposo e companheiro, Miguel aqui presente!

A rapariga foi impelida a balbuciar:

-Sim, aceito!

Neste momento os sinos tocaram aleluia, aleluia! E o casamento simbólico ficou consumado!

Miguel ajudou a jovem a levantar-se e selou a união encostando os seus lábios à boca dela. Depois o casal olhou-se demoradamente e sorriu com cumplicidade.

A porta principal da igreja abriu-se de par em par e uma salva de palmas despertou-os daquele enternecimento. Caminharam pela nave da capela e a comitiva ordenou-se à entrada, formando um corredor para eles passarem. Várias pétalas de flores foram atiradas, suavemente, sobre os noivos e todos os rodearam para os felicitar. Lena, por vezes parecia-lhe que haveria de acordar daquele sonho inebriante mas olhava para o lado e via Miguel tão forte e seguro que, não lhe restavam dúvidas, quanto à realidade dos acontecimentos.

Da mesma forma que subiram a ladeira do santuário, voltaram a descê-la, de mãos dadas e seguidos pela família.

Mestre Elias comunicou que daria um beberete no pavilhão central e que seu filho Eliasar tocaria harpa para acompanhar as danças e os cantares!

Miguel fez saber à rapariga que deveriam aceitar a hospitalidade e todos juntos encaminharam-se para lá.

Uma enorme mesa estava sobrepujada de iguarias, das quais se destacavam os mais variados frutos maduros e sumarentos.

Os presentes foram-se servindo, enquanto entoavam cânticos e apresentavam danças de roda. Depois foi a vez de o par ir ao meio para dançar sozinho e a seguir ser disputado entre os vários convivas. Lena dançou com os homens da casa, incluindo os mais novinhos e Miguel rodopiou nos braços das damas e jovenzinhas.

Aproximava-se o lusco-fusco quando Miguel fez querença de se despedir, agradecendo a amabilidade.

Todos compreenderam e o casal partiu em direcção ao local onde estavam instalados.

O braço de Miguel apertava a rapariga que o tinha rodeado também pela cintura. Os passos que davam eram lentos e o caminho demorava a trilhar, pois em vários momentos, paravam para se mimarem.

Mais uma vez Miguel abriu a porta da cabana e veio buscar, ao colo, a rapariga.

-Finalmente sós! – Balbuciou o rapaz completamente transtornado pelo desejo.

Maria Madalena estava pela primeira vez, a entregar-se plenamente a alguém e no seu peito, há muito que transbordava uma onda de emoção que a fazia rodopiar. Às vezes ainda a atormentavam as impressões que acompanham a prática de acções erradas, mas estas vinham apenas em pequenos flash e duravam agora pouquíssimos instantes. Em seguida eram totalmente tragadas pelo turbilhão maravilhoso de sensações que a assolavam sempre que Miguel lhe tocava e a arrebatava.

Via-se nesse momento a desejar ter trazido algo que a deixasse ainda mais maravilhosa. Mas quem lhe diria, horas atrás, que desposaria Miguel num retiro selvagem, povoado de curiosos seres! Tempos houve em que simbolizou uma noite de núpcias, anos errantes, quando Paulo entrou no seu quarto pela calada da noite. Em nada, porém, se comparava com o temor sensual que a assolava neste preciso momento, enquanto sentia os lábios quentes de Miguel, afagarem-lhe o pescoço em generosas carícias.

-Vais ter de me ensinar todos os passos! – Sussurrava o rapaz mordiscando-lhe a orelha.

Lena sorria, pois tinha a certeza que Miguel era um mestre na arte do erotismo.

Foram-se aproximando do leito e Miguel desapertou com cadência as duas faixas de seda do vestido, que se apertavam ao pescoço de Lena. A veste deslizou pelo corpo da rapariga, desnudando-lhe os seios, o ventre, as coxas e as pernas, até esmorecer aos seus pés. Miguel contemplou-a, como se a visse pela primeira vez! Foi pousando os seus lábios sobre a pele nua, demorando-se em esmerados retoques, aqui e ali, na curva dos seios, na concavidade do umbigo…

Agora foi a vez da rapariga, retirar com quietude, o fato de Miguel e ver surgir a pouco e pouco a deslumbrante nudez do seu físico. Ela retribuiu-lhe as carícias e viu-o crescer, aumentar e descontrolar-se. Naquela digressão voluptuosa, os corpos viam-se assolados pela ânsia de se tomarem, sem entraves, nem impedimentos…

Ficava a cama a tão escassa distância e era o entrelaçar tão empolgante que demorava o seu alcance. Miguel apresou Maria Madalena sob a vontade do seu querer e como se elevasse uma pena, transportou-a e pousou-a sobre a maciez do leito. Não se debruçou de imediato sobre ela e foi iniciar a jornada de afagos pelo dedo mindinho do seu pé! Veio então, muito detalhadamente, explorando cada recanto escondido que se abria agora à sua vontade. Carícias elaboradas e infinitamente intermináveis foram repetidas até à exaustão, enquanto o corpo feminino era torturado por um frenesi incontrolável. Mesmo assim, Miguel ainda queria saborear e prolongar os momentos que antecediam a entrega e foi mais uma e outra vez, procurar avidamente os lábios da rapariga e embeber-se com volúpia na sua boca.

Os corpos agora sobrepostos, quentes e suados, anseiam juntos pela ultimação. As bocas fundem-se, as mãos tacteiam-se, os braços e as pernas apertam-se e entrelaçam-se… e numa ânsia vertiginosa, o falo de Miguel penetra o vaso íntimo de Maria Madalena. Ficam assim imóveis, na sublime uniformidade, antes que se desencadeie um arquejar conjunto, ofegante e repetitivo, que os fará atingir dimensões superiores. Os corpos esmagam-se e aliviam-se, sempre unidos pelo mesmo sentir. Ondulações cada vez mais sucessivas, arfares cada vez mais violentos, latejares cada vez mais exuberantes, revelam a explosão íntima que está prestes a acontecer. Um jorro de prazer carnal inunda o espírito e vagas de deleite fazem disparar-lhes o coração! Depois é a plenitude total, o delírio, a evasão e o regressar de mansinho, para continuarem aninhados no bem-querer deste amor!

Miguel não queria que o tempo passasse e fez prolongar a noite até ao infinito! Quando o serão já ia adiantado, o casal preparou uma agradável ceia que saborearam com gosto e regaram com um vinho especial. Entre afagos e carinhos, o par trocou também mimos verbais e Maria Madalena, viu-se a murmurar ao ouvido de Miguel, palavras de afecto que nunca nada tinham significado, no seu sentir:

-Adoro-te meu anjo…

O jovem deliciava-se e retribuía com doçura:

-Minha esposa querida!

Nessas alturas a força das palavras abalavam a estrutura emocional de Maria Madalena e uma sensação de promessa inquebrável, amedrontava-a um pouco. Depois logo vinha o alívio ao recordar-se que ela apenas duraria doze horas e desejava então, viver estas, intensamente.

Durante a noite, o par repetiu fogosamente o seu envolvimento íntimo e já a madrugada rompia, quando os corpos adormeceram e os espíritos sossegaram.

 

Maria Madalena abriu os olhos, estendeu o braço e tacteou com a mão, a presença de Miguel. Tinha adormecido entrelaçada a ele e o vazio que lhe surgiu, indicou-lhe de imediato a falta do jovem. O quarto encontrava-se na penumbra, embora alguns laivos de claridade já se denotassem pela madeira da janela. A rapariga sentou-se na cama e procurou aperceber-se do espaço e do que a rodeava. Nenhum ruído soava da casa de banho contígua e ou Miguel estava na sala de estar ou tinha-se, efectivamente, ausentado.

Ainda demorou algum tempo a raciocinar, até que um impulso a fez levantar-se. Procurou então pelas dependências mas a cabana encontrava-se vazia e acusava um silêncio sepulcral, que só os seus passos rompiam.

Dirigiu-se então à porta principal no intuito de procurar o rapaz, no exterior da casa. Rodou o batente mas esta não cedeu. Não se via a chave na fechadura mas estava trancada por ela. O coração de Maria Madalena disparou. Estava a clarear e o sistema de iluminação já não respondia às insistências de Lena que procurava insistentemente ligá-lo. Precisava de se acalmar e agir com sangue frio. Foi consultar o seu relógio e viu que eram precisamente cinco horas da manhã!

No quarto, mesmo com a visibilidade fraca, não encontrava o vestido de noiva, nem as vestes de Miguel. Também a coroa de flores tinha desaparecido.

Que lhe tinha dito Miguel? Que aquela envolvência duraria doze horas. Realmente parecia que tinha razão.

Enroscou-se no sofá da sala e aguardou…

Não sabe se hibernou, mas só despertou quando a chave rodou na fechadura.

Miguel entrou e a rapariga apressou-se a questioná-lo:

-Porque te ausentas-te tão cedo?

-Minha amiga…sabes que não posso continuar á mercê das tentações carnais. O meu tempo acabou.

A rapariga ficou oprimida e foi chegar-se a ele. Mesmo com a claridade a rarear, vislumbrou-lhe de imediato, o cordão e a medalha, presos no pescoço!

O rapaz abraçou-a de mansinho:

-Veste-te. Tenho um último desejo para concretizar a teu lado!

-Vamos sair? – Questionou Lena.

Miguel abanou a cabeça afirmativamente e Lena apressou-se a satisfazer o seu desejo.

 

Saíram da cabana e subiram o trilho que, já antes, os tinha levado ao santuário. Lena não se queria contrariar mas não lhe agradava voltar aquele lugar. Tinha receio que forças superiores manejassem o seu destino.

-Porque subimos?

-Para assistir ao nascer do sol e recordar-te que este poderia ser o momento fulcral, para iniciares uma nova vida!

Maria Madalena reconhecia o Miguel dos tempos ido e desconhecia o jovem apaixonado com quem se tinha casado ontem à tarde! Preferiu não responder.

Passaram o santuário e alcançaram, um pouco mais acima, um curioso rochedo. O rapaz deu-lhe a mão para a ajudar a escalar as pedras e atingiram o topo, precisamente, quando o sol rompia no horizonte.

Miguel rodeou-lhe os ombros e aconchegou-a levemente, beijando-a com ternura na fronte.

Os raios vibrantes do sol de Agosto vinham tão intensos que quase feriam a visão da rapariga. Miguel, porém, fixava-os frontalmente e as centelhas de luz projectavam-se sobre si, fazendo-o brilhar como uma estrela. Momentos houve em que o rapaz pareceu em transe e Maria Madalena sentiu-o evadir-se para espaços recônditos.

 

 

Atalaia 4 - [capitulo 16]

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Lá dentro havia um sossego que denotava o descanso dos ocupantes. Certamente o trio dos noctívagos ainda não tinha regressado. Maria Madalena dirigiu-se à cozinha na intenção de fazer um chá. Miguel não a seguiu e em pouco tempo apercebeu-se que o rapaz estaria disposto a tomar um duche, pois o esquentador disparou.

Deixou que a água fervesse, procurou o saquinho do chá e preparou a bebida com tranquilidade. Ela própria necessitava de alguns momentos de reflexão. Andavam a acontecer demasiadas situações obscuras e incompreensíveis. À sua volta moviam-se sombras, quase espectros que lhe ditavam comportamentos. Porque não se recolhia, regressava à aldeia e fechava-se em casa até que os seus dias se preenchessem apenas de coisas banais!

Agosto aproximava-se do fim e restavam-lhe apenas, pouco mais de três meses, para o enlace matrimonial. Às vezes desejava que ele acontecesse de imediato, assim ver-se-ia dependente da vontade de Paulo e protegida pela redoma que ele erguia para a enterrar. Era cómodo não ter que decidir, nem ficar à mercê do desconhecido. Saber sempre com o que podemos contar é uma mais-valia imprescindível. Depois deparava-se com Sérgio, aquele espinho encravado na sua existência e envolvia-se com Miguel, alguém ou algo que não se mostrava definido!

Andava à deriva, perdia-se, desafiava as leis da existência, caminhava sem rumo, nem destino certo.

O chá quente confortava-a e uma e outra vez a sua mente preenchia-se pelos reflexos cintilantes dos olhos ternos de Miguel e pelo amável sorriso do seu rosto.

Que lhe perguntara ele? Se seria capaz de manter uma relação platónica? Não deixava de ser um desafio intrigante. Não estava ela, demasiado envolvida, fisicamente! A relação com Paulo, a aventura com Sérgio e a obsessão corporal com Miguel.

Sempre invejou e temeu a vida de uma monja que se entregava apenas aos prazeres da espiritualidade. Ela sempre rebatera tal sacrifício. Era demasiado amante dos gozos da vida, gostava de bens materiais, boa cama e boa mesa. Nunca se julgaria capaz de tamanha penitência. E a perca de Miguel, que poderia significar para si? Provocar-lhe-ia certamente uma dor dilacerante. Deixaria um vazio e arrastar-se-ia como um mistério inacabado! E o amor? Onde entra esse sentimento apaziguador das paixões arrebatadoras! Que significava Paulo na sua vida: a parte cómoda da questão! Que ousara viver com Sérgio: uma exacerbada paixão carnal! Que via em Miguel: a partilha, o amparo, o porto seguro! Mas só isso chegaria?

Miguel entrou na cozinha, acabadinho de sair do duche. Trazia os cabelos desgrenhados e vestia um pijama de Verão com T-shirt de alças e calção curto.

-Também bebo um chá! – Disse, bocejando sonolento.

Maria Madalena levantou-se e fez questão de lhe preparar a bebida. Ao entregar-lhe a chávena os seus dedos roçaram-se e uma onda arrebatadora percorreu-a dos pés à cabeça. Sorriu-se.

-Pequenos toques de prazer! – Proferiu Miguel penetrando-a com o olhar.

A rapariga não lhe ligou e voltou a sentar-se, afastada dele.

-Vais manter-te assim…separada!

-Não és tu quem evoca relações contemplativas: entre o céu e a terra! Então nada mais te resta que me idealizares.

-Vale-me ao menos a extraordinária imaginação que possuo. – Sorriu e chegando-se um pouco mais à mesa, lançou um afago sobre a mão da rapariga:

-Não queres saber o que o meu pensamento tece?

-Deves-me vislumbrar no altar, de vestido celeste, coroa e manto! – Ironizou a rapariga.

-E se te visualizar em vestes menores…quem sabe num conjunto ousado de langerie vermelha como o fogo em que me consumo!

-Deduzo que seja o fogo do inferno! – Voltou a ironizar a rapariga.

-E se eu e tu…nos fossemos perder num leito de paixão. – Sugeriu o rapaz num sussurro rouco.

Maria Madalena sentiu um sufoco. Depois relativizou:

-E com quem o partilhamos, com Mónica ou com Pedro.

-Mónica dorme profundamente e Pedro demora a chegar… - Garantiu Miguel.

Maria Madalena espreguiçou-se:

-Sabes Miguel…estou muito cansada e além disso…o que essa medalha me amedronta! – A rapariga continuava a gozar com a questão.

Miguel levantou as duas mãos, levou-as ao pescoço e num ápice, retirou o cordão!

-Pronto…satisfeita!

A rapariga incomodou-se. Um certo mau estar assolou o seu corpo e um grito aterrorizado, rasgou a noite!

-Mónica… - Maria Madalena deixou a cozinha, correndo em direcção à “suite”.

Entrou, acendeu a luz e viu que a amiga parecia descansar sem incómodos. Mesmo assim quis certificar-se e chegou-se a ela. O corpo de Mónica via-se abandonado ao sono profundo. Não a quis acordar. E se fosse Sara que não estava bem. Foi então ao quarto que a rapariga ocupava. Também ali o sossego era total.

Regressou, Miguel também haveria de ter escutado…

A mesa estava arrumada e as chávenas do chá dentro do lava-louças. Miguel, porém, já lá não estava.

Correu ao quarto. Bateu.

-Lena… - Ouviu o rapaz perguntar.

-Sim!

-Tens razão… também estou muito cansado! Até amanhã!

Rodou o puxador mas a porta não cedeu!

-Posso entrar…quero falar sobre o som que ouvi e me pareceu um grito!

-Jovens a doidivar na rua! Descansa… - Disse-lhe Miguel.

-Pareceu-me dentro de casa! – Insistiu.

-Claro que não…foi na rua. – Respondeu o rapaz de dentro do quarto.

-Estou um pouco receosa! – Queixou-se.

-Ampara-te em Mónica…

-Porque não posso ficar contigo… - Teimou.

Ouviu-se uma chave rodar na fechadura. Pedro e as meninas estavam de volta.

Maria Madalena resolveu recolher-se antes que a enchessem de perguntas.

Amanhã, sempre amanhã! O presente nunca deixava de se projectar no futuro.

 

Na manhã de Domingo ninguém foi à praia e no geral todos ficaram recolhidos até mais tarde do que o normal. Cada um tomou o pequeno-almoço a horas diferentes e Mónica avisou que o almoço seria fora de casa. Foi escolhido um “pronto-a-comer” do outro lado da rua e mesmo assim Pedro e Adília não compareceram!

Maria Madalena só avistou Miguel à hora do almoço e o rapaz mostrou-se bem-disposto e atencioso. Ela, no entanto, estava aborrecida com a forma como ele a tinha banido da sua presença e foi logo procurando a medalha, cujo cordão vislumbrou por baixo da gola do “polo” que Miguel vestira.

-Estou a pensar ausentar-me esta tarde. Tenho familiares aqui perto e quero fazer-lhe uma visita. – Informou Miguel com serenidade.

Maria Madalena ficou alerta e estranhou tal comunicação.

Mónica porém retorquiu, fixando o rapaz insistentemente:

-A família é um bem precioso, especialmente os parentes mais chegados, pai, mãe e irmãos!

Miguel apenas se limitou a confirmar com a cabeça.

-Espero que não te percas…- Lançou Mónica com um certo azedume a que o amigo reagiu, mostrando-se contrariado. A rapariga quis remediar:

-Quero dizer…se sabes movimentar-te na zona?

-Minha madrinha virá buscar-me! – Informou Miguel. – Se alguém estiver interessado em fazer-me companhia.

-Eu dispenso! – Garantiu Mónica, levantando-se e dando o almoço por terminado.

-Eu iria de boa vontade não fosse ter combinado com Sérgio um lanche na marisqueira! – Lançou Magda com a maior das naturalidades enquanto Sara garantia que estava na disposição de passar a tarde na praia.

Lena preferiu nada comentar, enquanto avaliava as atitudes de cada um: Miguel que a surpreendera com aquela visita a familiares por perto. Mónica que parecia passar o tempo a controlar o rapaz e Magda que andava na trafulhice com o professor!

Miguel fixou-a como se lhe lesse os pensamentos mas não lhe perguntou directamente se ela o queria acompanhar. Essa atitude acresceu ainda mais o seu descontentamento e resolveu que também ela, nada lhe sugeriria nesse sentido. Porém estava curiosa em saber mais sobre Miguel e essa família que desconhecia.

Aguardou então que o rapaz reflectisse!

Em vão. A refeição terminou, os cafés foram bebidos e a despesa foi saldada sem que Miguel tocasse mais no assunto.

Uma certa frustração apoderou-se de Lena. E se ele se fosse sozinho, sem sequer insistir em a querer levar? Rodeou-o:

-Então essa madrinha reside no Algarve?

-Não…também está em férias! – Respondeu o rapaz, enquanto esperavam para atravessar a rua, depois de terem deixado Sara e Magda para trás.

-Estás a pensar demorar-te? – Perguntou ainda.

-É provável que passe lá a noite! Insistente como a minha madrinha é…- Respondeu o rapaz enquanto lhe sugeria que atravessassem naquele momento, pois o sinal para peões já estava verde.

-Ah! Julguei que fosse uma visita rápida…assim talvez te pudesse acompanhar! – Adiantou.

-E tem mal, pernoitares por lá…não estaremos sós.

-Sim claro! – Entristeceu-se Maria Madalena, afinal parecia que Miguel estava mesmo decidido a cortar com as abordagens enamoradas.

-Vou pensar melhor…

-Se decidires fazer-me companhia, poderíamos fazer a viagem no teu carro, assim evitava que ela se deslocasse.

-E onde está ela?

-Em Quarteira…

-Tudo bem…apetece-me viajar! – Decidiu-se Maria Madalena, disposta a desbravar caminho desconhecido.

 

Em pouco menos de uma hora, Lena tinha arrumado um pequeno saco com bagagem para noite e dia e aguardava que Miguel lhe desse ordem de partida.

Enquanto apanhava o cabelo, pois o calor estava sufocante, Mónica entrou na sala de banho. Olhou Lena pelo espelho e a rapariga viu que a amiga não estava satisfeita:

-Mónica estás aborrecida com alguma coisa? – Perguntou.

-Estou um pouco descontente com algumas atitudes do Miguel e vinha, precisamente, pedir-te para não o acompanhares hoje! – Respondeu Mónica, fechando a porta e encerrando as duas no WC.

Maria Madalena foi apanhada de surpresa.

-E porque não iria, ficaremos em casa de familiares dele.

Mónica contrariou-se ainda mais.

-Lena recordas-te quando te disse, que a família de Miguel estava a passar um mau bocado! – Abordou Mónica com alguma cautela.

-Sim…mais ou menos, para além da doença do pai era também o Gabriel que às vezes ficava um pouco descontrolado… - Disse Maria Madalena apelando à memória.

-Exactamente…pois eu tenho receio que as coisas possam vir a piorar.

-Porquê…esta madrinha também está doente?!

-Não…não me parece que esta madrinha signifique alguma coisa! Receio muito mais pelo Miguel, ou pelo Rafael….digamos que não tenho um bom pressentimento!

Maria Madalena ficou novamente tentada em responder a Mónica com alguma desconsideração, pois começava a irritar-se com a incoerência das suas palavras:

-Mónica…desculpa! Queres sentar-te e falar olhos nos olhos, sem rodeios, nem obscuridades e dizer-me claramente o que te aflige, muito bem! Caso contrário não estou para aturar as tuas invenções, nem os teus palpites sobrenaturais…

Mónica desarmou:

-Muito bem…lavo daí as mãos como Pilatos e digo-te: Miguel está entregue a si próprio! Ameaçou Mónica com o dedo em riste.

-E não será já… suficientemente crescidinho! – Atirou Maria Madalena.

-Que sabes tu…-Praguejou Mónica, abandonando a sala de banho.

Lena ficou a pensar que talvez Mónica tivesse um fraquinho por Miguel e a aproximação entre o par lhe desencadeasse algum ataque de ciúmes. Bem… mas que tinha isso a ver com algum possível mau estar na família…Relativizou: Mónica e a sua turva bola de cristal!

 

Miguel e Lena já tinham abandonado Albufeira e tomado rumo para Este.

Pouco depois de Mónica a ter deixado, Miguel entrou na suite, disposto a seguirem viagem. Saíram com um até logo ou até amanhã e só Mónica não lhe retribuiu a despedida.

-Mónica veio pedir-me para não te acompanhar! – Disse Lena, enquanto mantinha os olhos na estrada.

-Deixá-la…-Desapreciou Miguel!

-Parece-me que desenvolve por ti uma paixoneta! – Atirou a rapariga.

Miguel sorriu-se.

-Nada disso. É mais preocupação de irmã.

-E com o que se deve preocupar? Só se receia que eu te devore!

-Porquê… tens intenção disso! – Provocou Miguel, amarrando-a com o olhar.

-Longe de mim manjar carne santa… - Ironizou a rapariga.

-Pode ser divinal…

-Pois eu receio indigestões celestiais.

Miguel fixou a estrada.

-A próxima saída é já a nossa!

-Não…faltam ainda muitos quilómetros até Quarteira. – Reclamou a rapariga.

Miguel dirigiu-lhe um olhar matreiro:

-Pois eu quero encurtar caminho!

-Há outra estrada mais rápida!? – Questionou a rapariga.

-Não…mas há outro lugar mais perto.

Lena saiu à sua direita e tomou a direcção que Miguel lhe indicou.

-Sempre em frente. – Garantiu o rapaz.

Tomavam agora um caminho secundário.

-Mais três quilómetros e viras outra vez à direita.

A estrada era estreita mas seguia por uma zona muito bela do Algarve. Não se tratava de um espaço turisticamente embelezado mas de uma área mais inata.

-Na próxima indicação…-Alertou o rapaz.

Lena leu “Retiro das Almas” e guinou.

Miguel pediu:

-Estaciona naquele espaço aberto, ali ao lado.

Lena fez como Miguel ordenou.

-O carro ficará por aqui. O resto do trajecto será feito a pé!

A rapariga não deixou de ficar admirada mas a tarde estava tão aprazível e embora o sol ainda vibrasse, a vegetação era tão luxuriante que havia sombra por todo o lado.

Retiraram os pertences. Maria Madalena trancou o carro e iniciaram a caminhada. Uma estreita via, em terra batida, ladeada de loendreiras em flor, brancas e rosa, rompia a paisagem pejada de plantas, arbustos e árvores de fruto.

-São apenas alguns metros… - Comunicou Miguel.

-Até chegarmos onde? – Quis saber Maria Madalena. – Pelo que vejo nem a tua madrinha está em Quarteira, nem as suas férias são balneares.

O rapaz pegou-lhe na mão:

-A visita à minha madrinha não passou de um pretexto! – Confessou.

Maria Madalena não sabia se havia de ficar aborrecida ou contente.

-E que lugar é este? – Optou.

-Perfeito!

-Para quê?

Miguel não respondeu e em vez disso deu-lhe sinal para que olhasse em frente.

Umas construções feitas em madeira e pintadas de verde começavam a surgir no emaranhado da vegetação. Uma mais ao centro era de dimensões mais consideráveis mas à sua volta outras se desenvolviam, de proporções mais reduzidas. Um cuidado e harmonioso jardim envolvia as construções e os trilhos que levavam a cada estrutura eram agora ladeados por pequenos pinheiros cujo perfume era delicado e revigorante.

-Isto é lindo! – Soltou a rapariga com apreço.

Miguel apertou-lhe a mão com mais pressão.

Um estreito riacho, cujo caudal causava estranheza nesta época do ano, desenvolvia-se em ligeiras cascatas, cujas águas trepidavam por entre pequenos seixos brancos. A unir as margens uma graciosa ponte de madeira baloiçava ao peso dos viandantes.

O par, guiado por Miguel, dirigiu-se para ela e atravessou-a. Alguns metros mais à frente ficava a entrada da construção principal.

Miguel puxou a porta e flanqueou-a. Surgiu-lhes então um espaçoso átrio, esplendorosamente decorado com motivos orientais. Sentado num cadeirão, feito em ferro forjado e decorado com almofadas de tecido multicor, um idoso barbado, vestido de branco, bebericava uma chávena de chá!

-Procuro o Mestre Elias…-Miguel indagou.

O velho levantou a vista:

-O próprio. Entrai meu jovem e acercai-vos!

Miguel deixou Lena à entrada e aproximou-se:

-Fiz uma reserva… para a “Cabana Singela”!

O homem apreciou-o:

-Está no lugar certo. – Depois levantou-se, foi buscar um pesado livro e consultou o calendário.

-É preciso registar? – Perguntou Miguel.

-É o dever de um guardião! Nome, data e local de nascimento?

-Micha’el…

A mão de Mestre Elias tremeu.

-Deixe estar que eu mesmo anoto! – Decidiu Miguel.

O velho chamou:

-Elizabeth…

Uma menina muito loira, dos seus sete ou oito anos, surgiu do interior da casa.

-Meu pai! – Fez uma vénia.

-Leve…

-Miguel! – O rapaz apresentou-se.

-à Cabana Singela. – Indicou-lhe o pai.

A miúda correu a pegar a chave.

-É única! – Afiançou Mestre Elias.

-Aprecio a dignidade. – Assegurou Miguel.

Elizabeth mostrou o caminho e Miguel levou Lena pela mão.

-Qual o nome da donzela? – Perguntou a rapariga que, descalça, saltitava pelo trilho.

-Lena… - Informou Miguel.

-Maria Madalena. – Completou Lena.

Elizabeth estancou, retrocedeu e fixou em Lena, os seus extraordinários olhos azuis.

Lena amiudou aquele rosto e ficou com a sensação de se ter, algures, cruzado com ele!

A miúda fez então uma estranha pergunta:

-Podeis dar-me um fio de vosso cabelo?

-Claro que sim! – Disponibilizou-se Lena a rir.

-De forma alguma! – Impediu Miguel com um certo desconforto.

As duas viram-se impelidas a obedecer.

Elizabeth voltou a palmilhar o caminho e Lena, pela primeira vez, viu em Miguel uma força prodigiosa!

Mais alguns passos e a construção intitulada “Cabana Singela”, plantava-se no final do caminho.

Elizabeth colocou a enorme chave na fechadura e abriu a porta de madeira.

-Quereis que vos mostre o interior?

-Não é necessário. – Garantiu Miguel, indicando a Lena que ficavam por ali.

-Então…qualquer coisa é só ligar!

-Certo! Obrigado.

-Adeus ou até já! – Referiu Maria Madalena desconhecendo o seu rumo.

A miúda retrocedeu em marcha atrás e foi agitando a mão em sinal de adeus.

Miguel também retrocedeu:

-Deixai-me a chave!

-Ah! Perdão… - Disse a miúda, correndo para entregar a chave que levava consigo.

Miguel certificou-se que Elizabeth tomava o caminho de volta e acercou-se de Lena.

-Aguarda um pouco e dá-me o teu saco. Eu entro primeiro e venho buscar-te depois!

Lena atirou-se para um banco-baloiço, talhado em madeira, que se encontrava fixo às traves de pau do alpendre de entrada. Aí ficou, baloiçando-se, admirando a paisagem e inspirando o misto de agradáveis fragrâncias que exalavam das várias flores do jardim.

Miguel demorou-se pouco e quando voltou vinha descalço e muito à vontade. Chegou-se à rapariga e retirou-a ao colo do baloiço.

Maria Madalena mostrou-se divertida, enquanto flutuava nos braços de Miguel:

-Vou simular o ritual em que o esposo entra em casa com a companheira nos braços.

-Que exagero Miguel…-Perturbou-se a rapariga.

-Hoje tudo será feito como sendo a primeira vez! – Sussurrou o rapaz, malicioso.

Maria Madalena segurou-lhe o rosto entre as mãos e fitou-o no fundo dos olhos:

-Onde estamos e o que fazemos aqui?

O rapaz flanqueou a entrada e fechou a porta com a pressão do pé.

Girou quase sobre si próprio com a rapariga nos braços e pousou-a depois no chão, com toda a delicadeza.

Maria Madalena pode então apreciar a envolvente:

Lá dentro a cabana era graciosa e muito acolhedora. A cor verde do exterior, perfeitamente integrada na paisagem, era ali totalmente substituída pelos vários tons acastanhados da madeira que cobria as paredes, os tectos e o chão. Os móveis, objectos e adornos primavam pelas cores claras, entre o pastel, o creme e o branco. Várias carpetes e tapetes estendiam-se sobre o espaço, definindo graciosos recantos.

Miguel guiou-a pela mão:

Desenvolvia-se desde a entrada uma confortável sala de estar, com kitchenette incorporada, de onde se alcançavam mais dois compartimentos: uma moderna e sofisticada sala de banho e um magnífico quarto de casal. Ali tinha Miguel já depositado os seus pertences:

-Pernoitaremos aqui…

Maria Madalena olhou em redor:

-Só… nós dois!

Miguel atirou-se sobre a cama e abriu os braços:

-Eu, tu, o silêncio, a tranquilidade, a perfeição, o amor e a paixão… -Enumerou o rapaz! – Quantos somos? – Riu-se.

Suspenso no pescoço de Miguel, o cordão medalhado agitava-se.

Maria Madalena não pode resistir.

-É hoje que te desproteges? – E indicou o objecto com o olhar.

O rapaz segurou-o entre os dedos.

-Decisão irrevogável. – Levou as mãos ao pescoço e retirou o cordão que depositou dentro do seu saco de pertences.

Maria Madalena ficou alerta, esperava que de imediato qualquer situação alarmante se desencadeasse mas em vez disso, Miguel tomou-a nos braços.

-Esposaremos às sete da tarde… no santuário do retiro!

-O quê!? – Alarmou-se Lena.

-Nada receies…trata-se apenas de uma cerimónia simbólica. Não há padre, nem juiz, nem papeis e a única condição é que te adornes com uma coroa de flores!

-Porquê e para quê?! – Maria Madalena continuava incomodada.

O rapaz aconchegou-a mais a si.

-Deixa-me confessar-te algumas coisas. Sentemo-nos um pouco. – Convidou.

Maria Madalena acabou por se interessar e sentar-se ao lado de Miguel.

O rapaz falou com calma e serenidade:

-Encontro-me na condição de pura castidade, como já te tinha indicado nunca me foi permitida a consumação do acto sexual. Para que tal possa vir a acontecer, estou sujeito a um ritual de iniciação. A rendição aos prazeres da carne implica que me despoje de toda a parte espiritual e entregue a minha alma para guarda. Esta opção entre a crua materialidade e a espiritualidade física ser-me-á permitida durante escassas doze horas – as horas das trevas, equivalentes a uma noite, desde que para isso apresente uma consorte e que juntos aceitemos os esponsais.

Miguel averiguou o estado de Lena e apressou-se a concluir:

-Passado esse tempo, tudo voltará à normalidade, tu ficarás livre e eu reclamarei a minha alma e poderei regressar à condição de ser espiritual.

Maria Madalena dava sinais de desorientação:

-Queres dizer que és virgem?!

-Ok…virgem! Se quiseres. Embora saibas tão bem como eu que entre nós já se ateou e inflamou, vezes sem conta, a chama da paixão…-O rapaz pegou-lhe na mão e suplicou. – O que te peço é que me permitas arder nesse fogo!

-E todas essas coisas que disseste e que…não me fazem sentido e…essa exigência de um casamento fictício.

Miguel tornou-se mais sensual e murmurou, semicerrando os olhos:

-Amo-te Maria Madalena. Amo-te muito… e esse sentimento, incorpóreo e afectivo nem tu, nem ninguém me poderá tirar. Mas eu quero mais, quero a união física, quero satisfazer este desejo que numa força colossal, me arrasa e consome. Arrisco tudo, posso até perder-me, sofrer as mais terríveis consequências mas estou determinado em possuir-te!

Maria Madalena sentiu o coração bater descompassadamente:

Miguel mostrava-se tão atraente. Era um misto de menino rebelde e homem sensual exposto a seus pés. E como ela o desejava! Os vários jogos eróticos que antecederam estes momentos tinham despertado um interesse difícil de apaziguar mas, havia sempre um mas, não lhe agradava aquela cerimónia ainda que ela fosse figurativa. Como poderia simbolizar um casamento e não se tornar uma esposa? E se Miguel viesse posteriormente a reclamá-la!?

O rapaz pareceu adivinhar-lhe os pensamentos:

-Maria Madalena fecha os olhos… -Pediu.

Lena obedeceu.

-Agora escuta-me. – Fez uma pausa até recomeçar numa voz calma e envolvente: Hoje, Domingo, no “Retiro das Almas”, quando são precisamente cinco horas da tarde, eu Micha’el, participando num ritual de iniciação, renuncio por doze horas ao meu ânimo espiritual e desposo Maria Madalena no santuário sagrado da irmandade. Quando os primeiros raios de sol romperem no firmamento e as sombras das trevas se esfumarem, surgirá desfeito este nó. Eu voltarei à idealidade e tu continuarás como carne do meu ser.

O rapaz ajoelhou-se e pediu no mesmo tom de voz:

-Maria Madalena…aceitas desposar-me? Por doze horas…

Lena foi assolada por uma comoção maravilhosa. Que mais poderia reconhecer naquele sentimento, senão a felicidade transbordante.

Aproximou-se de Miguel e uniu os seus lábios contra os deles. O rapaz aprisionou-lhos e beijou-a sofregamente.

Quando uma ténue paragem surgiu entre as carícias, Lena pode confirmar:

-Sim…por doze horas!

O rapaz debruçou-se sobre ela e fê-la tombar sobre a cama.

Maria Madalena ofereceu-se a Miguel e o par envolveu-se em audaciosos mimos. Cada toque, cada pressão, cada afago mais ousado, elevavam-nos até dimensões antes desconhecidas. Miguel mostrava-se mais solto e mais arrojado, como se, desde sempre, soubesse chegar ao mais íntimo de Lena. Em poucos instantes a situação ameaçou descontrolar-se e foi o rapaz quem foi saindo de mansinho, reclamando:

-Para meu desespero…este ainda não é o momento!

Lena ficou estendida na cama até conseguir recuperar a percepção.

-Vamos minha rainha, um banho revigorante aguarda-nos. – Disse Miguel enquanto procurava no saco uns calções de banho.

Lena olhou o rapaz a trocar de roupa e apreciou a nudez escultural do seu corpo. Não podia negar que cobiçava arrebatá-lo em toda a sua intensidade!

-Vamos deliciar-nos num lugar encantador. Podes colocar qualquer coisa mais leve.

-Biquini? – Perguntou Lena, ao ver Miguel em calções de banho.

-Pode ser…

A rapariga vestiu um biquíni que lhe realçava a perfeição das formas e o rapaz admirou-a embevecido.

-O quanto me apetece delinear-te na ponta suave dos meus dedos! – Sussurrou o rapaz enquanto lhe lançava um sedoso toque.

-Então…permaneçamos! – Desafiou Maria Madalena.

-Não…tudo terá que ser feito, segundo as regras. Vamos!

O par saiu para o exterior e de mãos dadas, foram seguindo o riacho. Não foi necessário atravessar a ponte e numa zona mais abaixo, as sucessivas cascatas projectavam-se numa belíssima lagoa.

-Estas são as águas do éden. Aqui lavarei a minha alma, para que seja guardada limpa e sadia. Entrarei primeiro sozinho.

Maria Madalena estava disposta a deixar que Miguel dirigisse a situação, até porque ela sentia-se em total transcendência. Sentou-se sobre um pequeno penedo e viu, mais uma vez, o rapaz desnudar-se!

Miguel mergulhou e manteve-se imerso durante algum tempo. Um tempo para além dos limites sustentáveis. Maria Madalena observando a lagoa, começou a ficar perturbada. O silêncio era total e as águas pareciam suspensas. Olhou em redor e viu apenas a natureza resplandecente, avivada pelo cantar dos pássaros. E Miguel que não surgia…

Debruçou-se sobre o leito e viu aparecer à superfície um pequeno objecto verde, depois outro vermelho e mais verdes e amarelos, e mais vermelhos. Lena amiudou-os e um odor a fruta fresca inundou o ar. Eram maçãs. A lagoa estava sobrepujada de maçãs, roliças, brilhantes e sumarentas!

 

 

Atalaia 4 - [capitulo 15]

 

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Não querendo perder mais nenhuma oportunidade de vigiar Mónica e martirizar Miguel, Maria Madalena foi com o grupo para a praia nessa tarde de sábado. Vestiu o seu mais ousado biquíni e fez questão de se exibir ao máximo, perante os olhares dissimulados do rapaz.

Estendidos na areia ou mergulhados na frescura da água, o grupo passou momentos incríveis. Atalhados os diferendos e ignorados os mal-entendidos, todos pareciam perfeitamente descontraídos. Miguel e Pedro Dias atazanavam as meninas com banhos forçados ou cobriam-nas de areia da cabeça aos pés. Até Mónica estava mais solta e relaxada, permitindo brincadeiras e participando nos jogos.

Num momento de acalmaria em que Maria Madalena repousava na toalha e o sol lhe dourava a pele, sentiu nos seus ombros o contacto aveludado de Miguel.

-Deita-te aqui comigo! – Convidou, fazendo lugar na sua própria toalha.

O rapaz não se fez rogado e atirou o seu corpo para junto do da rapariga, tocando-lhe em quase toda a sua extensão. Ficaram os dois deitados de bruços, braços sob o queixo e os olhos de um, fixados nos do outro.

-Estás soberbamente bela! – Sussurrou Miguel, apenas num mexer de lábios.

Miguel conseguia surpreendê-la, quando era ela que o queria subjugar.

-Queres que te aplique o protector? – Perguntou em voz normal, procurando desviar as atenções de Magda, que se centravam sobre o parzinho.

Maria Madalena não se apercebera da insistência de Magda e respondeu com aliciação:

-O único protector de que necessito…és tu!

O rapaz tocou-lhe a ponta do nariz.

-Vamos juntos ao banho? – Desafiou.

A rapariga franziu o rosto, desagradada.

-A água está fria!

-Mas eu…escaldo! – Disse Miguel com audácia.

A rapariga riu-se, escondendo o rosto entre os braços.

-Como ousais rir-te de mim? – Soou a voz cálida de Miguel, junto à sua orelha direita. – Quando sofro desmesuradamente!

-Sofres?

-Muitíssimo!

Os rostos quase colados, os hálitos envolvendo-se, os olhos brilhando.

Miguel voltou a convidá-la num aceno de cabeça.

Lena cedeu. Levantou-se e o rapaz também.

-Vamos ao banho. – Informaram. Mas ninguém pareceu importar-se.

Ainda a praia estava cheia. Desapareceram no meio das gentes e entraram na água de mãos dadas. Lena mostrava-se desconfortável com a temperatura da água e Miguel chegava-se a ela com veemência. Sentia o corpo dele pressionando o seu e as suas mãos segurando-a com meiguice. Continuaram até que a água lhes chegou ao pescoço. Aí Lena viu Miguel desaparecer! Deixou de o ver mas continuava a senti-lo. Por debaixo de água, o rapaz acariciava-a em toda a extensão do seu físico. Cada toque era como um afago demorado e as mãos de Miguel mostravam-se cada vez mais atrevidas. Maria Madalena via-se à superfície atormentada pelo prazer. Lentamente mergulhou e encontrou desejosos os olhos expressivos de Miguel. Ocultados pela transparência da água, os seus lábios tocaram-se. Primeiro muito ligeiramente, depois com caloricidade e finalmente com voluptuosidade. O primeiro a perder o fôlego foi Maria Madalena que sacudiu o rapaz e voltou à tona. Miguel surgiu depois, lambendo os lábios. Maria Madalena fez querença de o agredir e o rapaz puxou-a para junto dele, apertando-a com impetuosidade. Desta vez mergulharam juntos e os lábios voltaram a procurar-se com desmedida fogosidade. O sal temperava os afagos que de tão doces, ameaçavam tornar-se incontroláveis. E mais uma vez as cabeças do par vieram à tona, ainda mais juntos, cada vez mais em sintonia. Respiraram entrelaçados e os braços de Miguel apertando o corpo de Lena, fizeram mais uma vez ocultá-la na água. Os beijos repetiram-se, renovaram-se e intensificaram-se e o par sufocando, procurou fora de água o ar que rareava. A emoção estonteante e irrefreável quebrou o raciocínio e trouxe à superfície dois rostos colados e de lábios fundidos!

Os olhos maliciosos de Magda eram duas flechas trespassantes. Maria Madalena desesperou. Paulo! Mais uma vez esquecera-se dele.

Quis empurrar Miguel mas o rapaz já se tinha afastado. Magda mergulhou e afastou-se nadando, mas o coração de Lena ficou batendo descompassadamente.

Miguel desatou a rir. A rapariga mandou-lhe água contra o rosto.

-Vê se arrefeces… - Brincou.

-E tu vê se esfrias… - Disse Miguel, voltando a aproximar-se. – Podemos retomar no ponto em que estávamos? – Desafiou.

-E que ponto é esse? – Escapou-se Maria Madalena.

-Em ponto de rebuçado! – Gracejou o rapaz, segurando-a pela mão.

-Quanto a ti é mais em ponto de açúcar queimado! – Galhofou a rapariga.

-É uma mistura explosiva “doçura e quentura”! – Insinuou-se Miguel.

-Imagina se a água não estivesse fria! – Continuou Lena a gracejar.

-Vem cá…- Miguel puxou-a para si e disse-lhe em segredo: - Entraríamos em ebulição!

Lena riu-se e o seu corpo voltou a ficar colado ao de Miguel.

No horizonte, um pouco distante, uma mota de água rasgava as ondas. O barulho era ensurdecedor. Seguia em linha recta até que guinou e se lançou numa nova trajectória. O par ficava precisamente na sua linha de alcance. Maria Madalena assustou-se quando constatou a aproximação do veículo em marcha acelerada. Quis escapar e Miguel também. Cada um saltou para lados opostos e a mota trespassou o espaço que antes o par tinha ocupado!

Lena reconheceu Sérgio e Miguel blasfemou furioso.

-Sergestus…meu renegado!

-Que estúpido… - Insultou Lena.

Miguel pegou na mão da rapariga e apressaram-se a sair da água.

 

Nessa noite de Sábado todos concordaram numa saída em grupo. Por isso apressaram o jantar, tomaram café numa esplanada e escolheram um bar animado para começar. Pedro Dias era o anfitrião das três raparigas, Sara, Adília e Magda e Miguel acompanhava Mónica e Lena. Havia música ao vivo e quem quisesse poderia dançar. Mesmo assim o grupo estava dividido entre manter-se por ali ou participar numa festa que uma discoteca da moda passara o dia a publicitar. Dessa opinião eram Magda, Sara e Pedro, enquanto Adília e Mónica preferiam manter-se por ali. Já Lena e Miguel não optavam declaradamente.

O bar possuía uma discreta pista de dança um pouco isolada da zona de estar e alguns aproveitaram para dançar. Magda foi convidar Miguel para a acompanhar. O rapaz não foi indelicado e seguiu-a. Lena olhou a amiga com desconfiança. Depois de se insinuar com Sérgio, passava a atacar Miguel! – Pensou.

Miguel mostrava-se descontraído e dançava com graciosidade. Maria Madalena embevecia ao constatar esta revelada faceta do amigo. A música era enérgica e os dançarinos agitavam os corpos ao ritmo que lhes era imposto.

-Que te parece Miguel? – Perguntou Mónica.

-Bastante interessante! – Comentou Lena.

-Vocês estão demasiado próximos. – Observou a amiga.

-É uma crítica? – Quis saber Lena.

-Por mim… não tenho nada contra, desde que ele se controle!

-E o que o faria descontrolar-se? – Insistiu Lena.

-Tu…

-Porquê? Sou a única mulher no mundo. Olha! Neste momento, dança ele bem juntinho a Magda. – O ritmo musical tinha mudado e a forma de dançar também.

-Magda nem o belisca e tu arrasa-lo!

-Fico lisonjeada.

Mónica agitou a cabeça em sinal de desagrado.

-Sonsinha…não estarás com inveja! – Riu-se Maria Madalena.

-Nunca poderia rivalizar contigo e se o fizesse seria uma tarefa inglória.

-Não o faças não…minha querida! Que eu estou em despedida de solteira! Vale tudo! – Maria Madalena continuava na galhofa.

-Esse casamento é o espinho espetado no coração de Miguel! – Disse a amiga com seriedade.

-Parece-me indiferente. Nunca mais abordou tal assunto.

-Usa outra estratégia…

-Qual?

Mas Mónica já não respondeu pois Miguel aproximava-se e fazendo uma vénia, convidava Lena para dançar.

A rapariga não se fez rogada e acompanhou-o até à pista. Mais uma vez os ritmos eram vigorosos e os corpos balançaram-se, perfeitamente afastados. Uma ou outra vez, tocavam-se as mão e entrelaçavam-se os dedos. Ali entre tantos olhares, cada pequeno toque provocava uma onda de excitação. A música tornou-se frenética e os corpos mais desassossegados. Miguel passava rente a Lena e soprava-lhe ao ouvido, palavras imperceptíveis. A rapariga ria e estonteava, seguindo a sua figura com o olhar. O rapaz vestia jeans de corte moderno e uma camisa branca ligeiramente aberta no peito. Ao pescoço vislumbrava-se claramente o famoso cordão.

Os acordes da melodia tornaram-se a pouco e pouco mais doces e tranquilos. Miguel puxou-a para si e entrelaçou-a pela cintura. Maria Madalena colou o rosto ao peito do rapaz e aspirou a fragrância que emanava dos seus cabelos. Quase presos à pista, os corpos oscilando juntos, meneando-se, estreitando-se, inflamando-se, alheios ao ambiente que os rodeia, aos olhares de cobiça ou censura que lhe lançam, às regras e às condutas morais que lhe exigem, o par cinge-se, entranha-se, penetra-se. Lena afaga-se no peito quente do rapaz, sente-lhe as formas e a respiração ofegante. Comprime-se contra ele e a medalha, sob a camisa leve, incomoda-a! Desvia-a, afasta-a e num ímpeto Miguel, lança-a para as costas. Um total conforto envolve-os, estão prontos!

A música altera-se para sons de trovão! Acordes violentos desassossegam! Ritmos agitados inquietam. Os restantes pares da pista apartam-se e só Lena e Miguel querem resistir!

Mónica meneia-se e Sara sacode-se. Envolvem o par que a pouco e pouco se desprende. Maria Madalena sorri e Miguel lança-lhe um beijo pelo ar.

O grupo reúne-se na dança frenética. Miguel recompõe-se e ajeita o cordão. Maria Madalena ainda estremece de volúpia e sente-se cada vez mais fascinada! Priva-a apenas a oportunidade!

Continuam a dançar até que a exaustão os vence. Agora é Lena e Miguel quem primeiro abandonam a pista e regressam ao lugar que ocupavam. Uma mesa redonda, ladeada de pequenos mas cómodos sofás. Ali, ao menos, há um pouco de privacidade e o ruído da música não incomoda tanto.

O par senta-se muito junto. Maria Madalena segreda ao ouvido do rapaz:

-Estamos a exagerar!

-Sim…parece-me que sim! – Consentiu Miguel. – Não devemos continuar a tocar-nos. – E apertava-se contra o corpo da rapariga que já estava entalada entre ele e a parede.

-Então afasta-te! – Disse-lhe Maria Madalena, olhando-o de soslaio.

-Afasta-te tu! – O rapaz continuou a pressioná-la.

-E para onde? – Riu-se Lena, divertida com a brincadeira.

-Não sei…é preciso ter imaginação!

Maria Madalena voltou a segredar-lhe:

-Olha que não demora… estou no teu colo.

-É melhor… não! – E Miguel fez querença de se afastar mas continuou, precisamente, no mesmo lugar.

-Medricas! – Provocou a rapariga.

Miguel pressionou-se ainda mais sobre ela.

-Assim vai-me faltar o ar!

-Então respira-me! – Insinuou-se Miguel.

-Deves pensar que és de éter…

-Sou essência, aroma e bálsamo…

-E doido! – Empurrou-o Maria Madalena.

-Por ti… - Olhou-a com paixão.

A rapariga desviou o olhar.

-Não vamos recomeçar…

-É melhor não! – Confirmou o rapaz dando espaço à rapariga.

Maria Madalena procurou-lhe a medalha.

-Que significa então a medalhinha… - Perguntou com um certo desdém.

-É simbólica. Oferta de minha mãe. – Respondeu Miguel sem interesse.

-Mas disseste que te protegia.

-Claro que protege. Uma mãe quer sempre a protecção de um filho.

-Como se chama a tua mãe? – Quis saber a rapariga.

-Alva… -Disse Miguel.

-E os dizeres? Não são iguais aos da medalha que Rafael me ofereceu!

-Eu tenho o poder. Eles dependem de mim!

-Queres dizer que és tu quem manda? – Redundou a rapariga.

-Mais ou menos! Sou detentor da espada do conhecimento puro, eles apenas possuem espadas de fogo!

-Estás de novo a divagar. Contigo não se pode ter uma conversa séria! – Queixou-se Maria Madalena.

-Podes querer que nunca falei tão a sério!

-Pois…vê-se! – Censurou a rapariga.

A música voltava a embalar.

-Voltamos à pista? – Convidou o rapaz.

-Não sei…e se fossemos antes dar um passeio!

-Ao luar?!

A rapariga abanou a cabeça que sim mas logo em seguida, arrependeu-se:

-E a malta?

-É melhor ficarmos. – Resolveu Miguel.

Não demorou que Mónica e Sara não regressassem e o restante trio não decidisse abandonar o bar e ir experimentar a famosa festa na discoteca.

Estava o bando desfeito e Lena e Miguel viram ali a sua oportunidade.

-Estamos a pensar ir dar um passeio. – Comentou Miguel.

Mónica olhou-o com preocupação.

Miguel esticou o pescoço e bateu com a mão no peito.

Mónica disse que estava a pensar regressar a casa e a Sara agradou-lhe a ideia.

Saíram os quatro e fizeram juntos a maior parte do trajecto. Depois apartaram-se. Lena e Miguel seguiram em frente, Mónica e Sara voltaram à direita.

Miguel colocou o braço sobre o ombro de Lena e aconchegou-a:

-Acreditas que a lua é feiticeira?

-Não sei se é feiticeira mas neste momento parece-me mágica!

-E se ela te lançasse um encantamento?

-Sim…gostaria que ela me tornasse numa sereia que cantaria para ti, meu miserável e martirizado, marinheiro!

-Pois eu digo-te que seria imune ao teu cante!

-Então quero ser a fada Morgana e tu, um insignificante elfo e meu escravo. – Lena entrelaçava Miguel pela cintura.

-Pois eu seria Merlin e os meus poderes superariam os teus!

-Então quero ser uma deusa…

-Então eu serei um anjo…

Entravam agora no areal e foram-no seguindo até a praia fazer um recanto mais reservado. O luar de Agosto cintilava, disseminando uma luz prateada.

O par caminhou abraçado até ao lugar escolhido.

Ali Miguel apartou-se e descalçou os sapatos. Maria Madalena olhou-o curiosa. O rapaz tirou a camisa e principiou a desapertar as calças.

Lena surpreendeu-se com essa atitude:

-Que fazes?

-Vou nadar ao luar! Nu… - E foi retirando todas as peças, até ficar completamente desnudado.

-O quê?

-E tu também! – Disse-lhe puxando-a pela mão.

-Eu não entro na água com esta escuridão! – Garantiu, enquanto não deixava de se inebriar com o físico de Miguel que a luz da lua enaltecia.

-Vem que eu ilumino-te. Sou um ser de luz… - Os olhos de Miguel tremeluziam, enquanto retirava com delicadeza o vestido de Lena.

A rapariga ainda se quis escamotear mas o encanto do rapaz era superior ao seu raciocínio.

Viu-se envolvida pelas mãos ternas de Miguel que a despiram sem recato e sentiu os seus braços rodeá-la para que abraçados entrassem na água.

-Minha sereia canta para mim! – Sussurrou Miguel.

O mar ocultava-os até à cintura. O peito da rapariga estava contraído contra a força muscular do rapaz e os seios quentes roçavam por vezes no metal frio da medalha.

Miguel fê-la rodear-lhe o pescoço com os braços e encaixou o seu rosto de forma a explorar com os lábios a garganta da rapariga.

Muito docemente soltou alguns acordes roucos:

-Vem bailar…no meu batel. Além do mar cruel. E o mar bramindo. Diz que eu…fui roubar!

Maria Madalena trauteou cadenciadamente:

-A luz sem par. Do teu olhar…tão lindo!

Os corpos balanceavam-se ao compasso do pulsar das ondas de maré. Outras ondas porém, bem mais vibrantes, assolavam-nos e cresciam no interior dos seus seres, lançando-os num fascínio alucinante. Sem peias nem estorvos as formas anicham-se, os espaços preenchem-se, as bocas vorazes recheiam-se e o par está perto da plenitude.

Não fosse aquela incómoda e fria medalha que insiste em golpear uma e outra vez os seios macios da rapariga!

Maria Madalena flutua mas não consegue abstrair-se totalmente do incómodo provocado pelo cordão medalhado, estendido sobre o peito de Miguel. Está disposta a ver-se livre do obstáculo e deita-lhe as mãos para o retirar. O rapaz reage de imediato, sacode a cabeça em sinal de negação e aprisiona as mãos da rapariga.

-Deixa estar! – Reage como um sonâmbulo.

-Estorva-me! – Queixou-se a rapariga.

-É a sua função! Há limites que não posso ultrapassar! – Disse o rapaz com imprecisão, afastando-se ligeiramente da rapariga.

-Tais como? – Estranhou Maria Madalena que começava a ficar desconfortável com a situação em que se encontrava.

Miguel reaproximou-se e rodeou com o seu braço os ombros da rapariga:

-Vamos!

Maria Madalena resignou-se e saíram juntos da água.

Mesmo na noite quente de Verão, os corpos molhados reclamaram as vestes e em poucos momentos estavam cobertos.

Uma certa frustração tomou conta da rapariga. Miguel insinuava-se mas não concluía.

O rapaz segurou-a novamente pela mão e reiniciaram a caminhada ao luar.

-Miguel porque nos envolvemos tão intensamente e não completamos essa envolvência? – Questionou a rapariga com uma certa diplomacia.

O rapaz ficou imóvel e a sua fisionomia perturbou-se. Foram apenas alguns segundos, porque depois encarou-a e declarou numa voz, bastante, clara:

-É me vedada a consumação do acto sexual!

Maria Madalena ouviu mas ficou em dificuldades para descortinar as palavras!

-Vedada?!

-Sim…interdita, proibida.

-Porquê? Sofres de alguma doença?! – A rapariga começava a preocupar-se.

-Não. – O rapaz procurou descansá-la. - Prende-se apenas com a minha condição…

Maria Madalena não sabia que condição poderia submeter Miguel aquela afronta, mas via naquele ser um mistério por revelar!

-Miguel…porque não falamos abertamente sobre certas questões?

-Talvez porque não estás preparada para elas… - Disse o rapaz com uma certa nostalgia.

-Devíamos experimentar…

O rapaz parou e segurou-a pelos ombros:

-Se eu fosse o homem da tua vida, serias capaz de manter comigo uma relação platónica?!

-Platónica…queres dizer sem envolvimento sexual!

-Exacto! – Desafiou Miguel.

-Não sei…acho que sim, quer dizer… talvez!

-Vês! – Riu-se o rapaz com ironia. – Continuas demasiado presa à materialidade. Tens ainda todo um longo caminho para trilhares…

-Mas tu próprio… ultrapassas os limites dos contactos físicos, excedes-te nas carícias, extravasas nos afagos…és persistente, insistente como se nada te pudesse entravar. Ainda há pouco estávamos no limiar do acto…o que te poderia garantir que ele não se consumaria?!

-Esta! – E o rapaz mostrou a enigmática medalha.

Maria Madalena ficou entre a irritação e o divertimento.

-Uma vulgar medalha! Estás a rir-te de mim! – Aborreceu-se e iniciou a caminhada sozinha.

Miguel correu em seu alcance para lhe dizer num sussurro:

-Se quiseres…lanço fora a medalha e fico à mercê das consequências.

A rapariga abanou a cabeça em sinal de negação:

-Longe de mim… lançar-te na fogueira do desejo e ver-te arder nela!

-E se eu escolhesse esse fim. Vinte e cinco anos de existência terrena parecem-me suficientes.

-Não vais dizer-me que és como a tarântula-macho que morre a seguir ao acto sexual! – Depreciou Maria Madalena.

-E se a minha materialidade não for total e se…eu estiver envolvido numa certa espiritualidade! – Miguel mostrava-se circunspecto.

-Sim…realmente. Tu e a Mónica devem andar metidos nalguma treta. Aquela também está sempre com misticismos.

-E se eu pertencer a uma outra dimensão…

-Deixa ver…-E Maria Madalena apalpou o rapaz e viu-o estremecer. – Não me parece…tudo o que sinto é bastante real!

Agora foi a vez de Miguel parecer magoado.

-Estás a exceder-te!

-Porquê? Porque vejo em ti um homem, um varão, um macho…

-Não! Porque acabas de matar a poesia do momento…

-Sim. Está morta… mas a sentença foste tu que a ditaste!

Deixavam o areal e tomavam o caminho de volta para casa.

Maria Madalena sacou do telemóvel e ligou o número de Paulo.

Miguel afastou-se incomodado.

A rapariga tentou em vão que o noivo a atendesse.

-Continuas a alimentar o dragão…para ele um dia te devorar! - Censurou-a Miguel.

-Tretas! – Lançou Maria Madalena sem paciência.

O rapaz reaproximou-se:

-Ingloriamente… vou perder os meus atributos sem que obtenha a tua salvação!

-Miguel…já ouvi o suficiente! Por favor…stop! Mais alguns dias e todos regressaremos às nossas vidinhas!

-Preferes o conforto do hábito a rasgares as paredes do convento!

-Prefiro viver dentro da normalidade! – Respondeu a rapariga.

-Estás a insinuar que detestas a minha invulgaridade!

-Digamos que não creio nela!

-É sempre uma questão de fé…

-Sou ateia! – Determinou Maria Madalena, enquanto subia os degraus do apartamento.

Miguel arrebatou-a à entrada.

-Vou abraçar-te até à exaustão!

Lena desafiou:

-Para me enredar na medalha!

-Lanço-a para as costas… - Determinou-se Miguel.

-Que eu saiba os anjos não têm costas… - Soltou-se Maria Madalena, abrindo a porta e entrando em casa.

 

Atalaia 4 - [capitulo 14]

calças-de-brim-da-sarja-de-nimes-com-corrente-cha

 

O jantar começou animado, embora Lena tivesse levado mais tempo do que o razoável na toilette e Miguel chegasse tão acalorado que o seu rosto se mostrava visivelmente vermelho.

-Foi do ar da praia! – Desculpou-se.

Maria Madalena não ocupou lugar junto de Miguel pois este tinha-o destinado entre Pedro e Mónica. Também Magda não dava notícias e mesmo estando ainda ar de dia, a demora era já contestável.

O pessoal achou o seu procedimento deselegante e não querendo continuar à espera, sentaram-se à mesa e iniciaram a refeição.

Lena, porém, começava a sentir-se bastante inquieta:

-É uma irresponsável! – Vociferou. – Nunca mais deixo que me acompanhe!

Sara, tinha a certeza que ela não demoraria e Adília achava que estava bem acompanhada.

Mónica porém, questionada por Lena, sugeriu que ela aguardasse mais um pouco e se a ausência se mantivesse, telefonasse para a casa do professor.

Maria Madalena não via com bons olhos aquela aproximação de Magda e Sérgio. Inocente como era, depressa cairia nos dentes do lobo.

Miguel viu-a alheada e sugeriu-lhe.

-Se quiseres acompanho-te, para a procurarmos.

Lena olhou-o, ainda sentida, e respondeu:

-Não saberia onde encontrá-la!

-Então… o pessoal não disse já que ela está com o professor Sérgio…é só ir no encalço dele. – Lançou o rapaz.

Lena recordou-se do interesse de Sérgio em enfrentar Miguel!

-Aguardemos! Ela já é crescidinha, devia ser mais responsável. – Lançou em jeito de remate.

-Tudo bem! – Consentiu Miguel, retomando a refeição.

-Então vamos sair esta noite? – Questionou Pedro Dias, olhando para o amigo.

-Bem…não sei! – O rapaz procurou consultar Lena, com o olhar. – Onde estavas a pensar ir?

-A um barzito e mais tarde à disco!

-É pá! Eu…se queres que te diga, estou um bocado cansado. – Adiantou Miguel esperando a reacção de Lena mas a rapariga não parecia minimamente interessada.

-É noite de sexta-feira, a malta expande-se…-Comentou Adília com entusiasmo.

-Isso mesmo…vamos esticar-nos! – Congratulou-se Pedro.

-Mais do que tu te esticas! – Gracejou Mónica. – Passas o dia estendido.

-Então tenho que me poupar de dia para me evidenciar à noite. Vês esta camisinha…impecável para atrair gatinhas!

-Cuidado com as garras das gatinhas não rompam elas a camisinha…- Chalaceou Sara.

-Não há que ter receio, está tudo controlado.

Maria Madalena mesmo que quisesse não conseguia disfarçar a irritação que a começava a consumir e apetecia-lhe sair em busca de Magda e onde encontrasse aquela desmiolada, dar-lhe um par de estalos bem assentes!

Miguel sorriu-se, como se lhe lesse os pensamentos.

O toque da campainha do apartamento fez Lena dar um salto na cadeira. Não sabia porquê mas tivera um mau pressentimento.

Adília prontificou-se a abrir.

-Então menina… está tudo preocupado por tua causa. – Ouviu-se Adília dizer.

Lena não se aguentou mais e num ímpeto levantou-se, abandonando a sala onde decorria o jantar. Estava disposta a ter uma séria conversinha com Magda! Porém, a meio do trajecto:

-Trouxe convidado! – Ouviu-se a voz bem alta da rapariga, anunciar.

Maria Madalena ficou estática no meio do corredor. Só poderia ser Sérgio o convidado de Magda. Logo hoje que o jantar era em honra de Miguel. Que falta de gosto! – Irritou-se.

A voz de Magda fez-se de novo ouvir, agora já dentro de casa, falando certamente para Adília:

– Pareceu-me bem retribuir o amável convite da noite anterior. – Disse.

Adília cumprimentou o professor:

-Boa-noite prof., faça favor, já tínhamos começado a jantar. – Desculpou-se.

-Não faz mal que nós lanchámos bem! – Gracejou Magda.

Maria Madalena não lhe apetecendo nada, voltar a estar de novo, cara a cara com ele, ocultou-se na sala de banho.

Ouviu os passos do grupo dirigirem-se para dentro e ficou quieta avaliando a situação.

Sérgio estava a passar das marcas e a sua perseguição tornara-se doentia. O melhor era tratar o assunto com seriedade e apresentar queixa às autoridades. Mas de que crime o poderia acusar? Que provas tinha? E ela não era co-autora! E se Sérgio em jeito de retaliação colocasse Magda a par da aventura que tinham vivido. Começava a desconfiar daquela insistência de Sérgio em fazer de Magda sua aliada! E o maior problema de Lena estava no facto de Magda ser da família de Paulo e afilhada de D. Olívia!

Lavou o rosto e procurou serenar. Nada como enfrentar as feras na arena do circo!

Quando chegou à sala, todos se reuniam em volta da mesa e Magda servia Sérgio de um pouco de carne assada.

A rapariga levantou o olhar para Lena.

-Lena julguei que eras tu…quem afinal se tinha perdido! – Disse.

-Ai sim! – Respondeu Lena com animosidade. – E tu? Por acaso tens consciência da tua irresponsabilidade!

-Porquê? Incomodei alguém? – Disparou a rapariga.

-Vamos acalmem-se…mais tarde, em privado, podem continuar o bate-boca. – Alertou Pedro Dias.

-Lena…não há necessidade de se aborrecer, Magda fez-me apenas um pouco de companhia. – Sérgio procurou esclarecer.

Maria Madalena nem se dignou a olhar para o homem. Começava a sentir asco pela sua pessoa!

-Ora, ora…então cada um, já não pode escolher a companhia que quer?! – Magda mordeu as palavras. – Que eu saiba desde hoje, bem cedinho, que a minha priminha tem sido unha e carne com este amiguinho! – E indicou Miguel.

-Não abuses Magda. – Avisou Lena.

-Digo alguma mentira? – Voltou a desafiar Magda.

Mónica quis colocar um ponto final na discussão:

-Magda quem é convidada, não traz convidados! E com isto não quero ser desagradável para com o professor, mas compete-te a ti reconsiderares e ver que não procedeste bem!

Magda pareceu acatar as indicações de Mónica.

-Está certo. Demorei-me demais sem avisar. Não voltará a acontecer.

Os ânimos serenaram e o jantar voltou à normalidade. Excepto para Lena que tinha perdido completamente o apetite.

Magda tinha sossegado a língua mas as acções continuavam impertinentes. Rodeava Sérgio de todas as mordomias e parecia que jantava a sós com ele.

Miguel continuava a amiudar as reacções de Lena e pediu a Pedro que trocasse de lugar com ele.

Quando Lena constatou a proximidade de Miguel ainda se alarmou mais!

-Olha…lá estão eles novamente, tão juntinhos! - Comentou Magda sorrateiramente. Depois voltando-se para Miguel: - Conheces o meu primo Paulo, o noivo de Lena?

Miguel enfrentou a rapariga:

-Já tive o prazer!

-E uma jóia de pessoa. Mata-se a trabalhar na Suíça para dar à noiva tudo o que ela merece.

-Se o faz de vontade! – Retorquiu o rapaz.

-Resta saber se vai valer a pena! – Magda continuava insolente.

Maria Madalena fez querença de abandonar a mesa mas Miguel reteve-a.

-E será a prima quem tem a incumbência de zelar, em Portugal, pelos bens do primo. – Miguel disse trocista.

-Que bens? – Irritou-se Maria Madalena.

-Calma. Deixa que Magda responda, assim saberemos qual é a sua verdadeira missão. – Aconselhou Miguel.

-Não tenho qualquer missão! – Atrapalhou-se a rapariga.

-Então? – Questionou Miguel.

-Então que…meu primo está furioso porque a noiva nunca mais deu sinais de si.

Lena sufocou. Era verdade! Desde que chegara ao Algarve que não comunicava com Paulo. Tinha-o olvidado completamente, como se ele não existisse. Calou-se, na esperança de poder remediar a situação.

Miguel interrogou-a com o olhar.

A rapariga disparou:

-São assuntos meus com os quais ninguém tem nada a ver. E agora se me dão licença estou farta de tanta gente em meu redor. Intrometendo-se, vasculhando, insinuando, tomando partido, decidindo…Não!

Maria Madalena descontrolou-se e saiu da sala a correr. Mónica foi em seu alcance.

-Agora não! – Disse-lhe Lena, atirada sobre a cama. – Deixa-me sozinha, por favor. Sai e fecha a porta.

Mónica viu que não devia insistir e afastou-se.

No corredor cruzou-se com Miguel. Este quis saber:

-Nada feito…voltámos ao ponto de partida. – Disse Mónica com desânimo.

O rapaz também desolou.

-Eu vou lá…animo-a!

Mónica lançou-lhe um olhar de censura.

-Tudo bem! – Consentiu o rapaz. - É melhor não…estou demasiado desprotegido.

-Tenho a certeza que está no porta-luvas do carro mas não tenho conseguido encontrar as chaves! – Lamentou-se a rapariga.

-Necessito dela. Ou à terceira noite não respondo por mim!

-E as sequelas?

-Veremos!

-Estamos a ser postos à prova! – Mónica parecia agora uma criança.

-Uma prova demasiado violenta! – Miguel rangeu os dentes.

-Vamos. É preciso continuar…

Regressaram.

 

Nessa noite Lena já não regressou ao convívio dos amigos, nem os contactos telefónicos que procurou estabelecer com Paulo vieram a dar frutos. Falou com a mãe, na esperança de que esta lhe pudesse valer mas Maria Manuela estava perfeitamente descansada e nada sabia sobre as queixas de Paulo.

Sentiu a presença de Mónica no quarto, ainda a noite estava em princípio e a de Magda quando a madrugada já se aproximava. Desconhecia onde Miguel tomara guarida e desejava que Sérgio se tivesse eclipsado.

Quando a manhã seguinte chegou e o sol de Verão convidou à praia, Maria Madalena apercebeu-se que a azáfama na casa indicava que essa tinha sido a decisão da maioria. Como ninguém a incomodou e continuava sem disposição para os acompanhar, permaneceu quieta e calada até sentir o sossego da casa.

Depois levantou-se, dirigiu-se à cozinha, fez café e torradas. Sentou-se e comeu descansada. Iria mais tarde tentar avaliar como terminara o jantar.

Quando se dispôs a fazê-lo, entrou na sala comum e o que viu foram as roupas de Miguel dobradas sobre o sofá indicando que tinha sido ali que ele tinha pernoitado. De resto tudo se encontrava impecável como Mónica tanto gostava que acontecesse. Miguel tinha usado na noite anterior uns jeans e uma T-shirt azul celeste que Maria Madalena gostava particularmente. Pegou-lhe e apeteceu-lhe experimentá-la. Com a blusa do rapaz vestida, aspirando o perfume que dela emanava foi rodopiando pela sala até se sentir tonta e tombar sobre o sofá. Qualquer objecto no bolso das calças de Miguel a magoou na mão! A princípio julgou ter sido o próprio fecho, pois o bolso era fechado por uma corrente. Mas não. Tratava-se de algo um pouco mais volumoso! Abriu-o e rebuscou…

Uma chave! Uma chave de ignição! A sua chave! A chave do seu automóvel…

Não havia qualquer dúvida, Miguel tinha encontrado a sua chave mas como e onde? Se ela tinha uma extrema preocupação em deixá-la em paradeiro seguro. Tinha fobia a perder as chaves do carro, por isso as guardava em local sempre certo e a esse local Miguel não tinha tido acesso. Desde que chegara ao Algarve que o automóvel se mantinha estacionado na garagem do prédio de apartamentos já que Pedro Dias preferiu ter a carrinha sempre à ordem.

Então? Voltou a amiudar. Por muitas coincidências que pudessem existir não era fácil que houvesse na mesma casa duas chaves de veículos “Opel” e dois porta-chaves com a letra “L”!

Tudo bem. Nada melhor que verificar. Pegou na chave e dirigiu-se à “suite”. Procurou no interior do roupeiro a parte que lhe tinha sido destinada para guardar as bagagens. Abriu a mala onde trouxera a roupa e procurou na pequena bolsa, cerrada com um fecho. Não teve dúvidas aquela era mesmo a chave do seu carro, restava apenas saber como tinha ido parar ao bolso das calças de Miguel?

Maria Madalena quis então certificar-se de que nada tinha acontecido ao seu automóvel. No interior da garagem tal como o tinha deixado, havia precisamente uma semana, apresentou-se-lhe intacto o “Opel-Corsa”. A rapariga usou a chave e o veículo cedeu, abrindo-se.

Revistou então o seu interior, não tivesse sido assaltada, mas lá estava o rádio e a antena exterior que tinha guardado. Procurou então pelos documentos da viatura dentro do porta-luvas, arrastando para fora tudo quanto lá estava. Verificou primeiro a carteira e confirmou que nada lhe faltava. Depois ajeitou os outros objectos espalhados e voltou a guardá-los: Uma escova de cabelo e uma fita. Um maço de lenços de papel. Uma pequena caixa com comprimidos e algumas moedas à solta sem grande valia. Viu debaixo dos bancos e nos compartimentos das portas. Por fim saiu do carro e foi observar no porta-bagagens. Tudo vasculhado para poder concluir que, no seu carro, ninguém tinha mexido!

Voltou a cerrar o veículo, lançou-lhe mais um olhar de confirmação e regressou ao apartamento.

Guardou a chave em lugar que lhe pareceu seguro, vestiu-se e saiu. Iria dar uma volta por algumas lojas e almoçaria por lá. Mais tarde insistiria em estabelecer contacto telefónico com Paulo e procuraria acalmar a sua fúria. Agora precisava de um tempo só para si.

Caminhou descontraída, entrando e saindo, apreciando e comprando e o tempo passou sem que desse conta. Poderia comer qualquer coisa numa pastelaria ou talvez optasse por um almoço requintado num bom restaurante. Porque não haveria de se dar a alguns mimos. Longe de Paulo, ausente da aldeia, fora do reboliço da casa, distante das exigências dos amigos, podia ser quem muito bem quisesse. E essa sensação estava-lhe a saber muito bem!

O sol apertava e Lena tinha-se afastado demais da zona de residência. Deveria ter equacionado melhor e ter feito a viagem de automóvel. Foi nesta altura que lhe voltou à memória o episódio da chave e continuava a não encontrar razões que justificassem o seu aparecimento no bolso das calças de Miguel! Não era do feitio de Miguel usar coisas que não fossem suas e alguma explicação plausível ele lhe haveria de prestar.

Ia tão distraída que nem viu o semáforo vermelho para peões! O polícia de serviço chamou-lhe a atenção e ela retraiu-se de imediato. A medalha! Sim o cordão com a medalha, esse é que… já não se encontrava no seu porta-luvas!

-Mónica… - Resmungou. - Desta vez não te escapas!

Já não almoçou tal a pressa que tinha em regressar à residência. Galgou o caminho, ainda longo, sob o sol escaldante e entrou em casa com determinação.

Sara e Adília deram sinais de si.

-Já estás recomposta? – Perguntou Sara.

E Adília em alvoroço:

-Fostes às compras.

Lena abanou a cabeça duas vezes, em sinal de afirmação, e foi de fio à sala comum onde pensava encontrar Miguel. Nem as calças, nem a T-Shirt lá se encontravam e sobre o sofá só Pedro Dias se esparramava.

-Estás cheio de areia! – Lena não se pode conter.

-Já sacudo tudo! Não te stress’s… - Disse o rapaz.

-E Miguel?

-Foi ao banho primeiro que eu.

Lena saiu da sala e foi levar os sacos das compras para a suite, na esperança de lá encontrar Miguel.

Estava Magda.

A rapariga não lhe deu a cara e Maria Madalena resolveu fazer o mesmo. Atirou com os sacos para dentro do roupeiro e voltou a sair tão rápido quanto entrou. Agora sabia que Miguel estava na casa de banho individual.

-Mónica… - Chamou.

-Na cozinha. – Ouviu responder.

-Estás mais animada? – Perguntou Mónica quando se encontrou cara a cara com a amiga.

-E que te interessa a ti? – Respondeu Lena com azedume.

-Bem… vejo que é melhor não haver conversa!

Maria Madalena exasperou-se:

-Vai haver sim! Uma longa e detalhada conversa. – Sentou-se e indicou a Mónica uma cadeira em frente a ela.

-Recordas-te quando te quis entregar um cordão com uma medalha que guardava no porta-luvas do meu carro e que alguém me disse que era teu! – Retorquiu Lena com o dedo no ar, ameaçando Mónica.

-Sim…e que, por acaso, não era meu e por isso não o quis – Respondeu Mónica com muito calma.

-Mentiste! E pediste ajuda a Miguel para que o fosse buscar! – Continuava a insistir Lena.

-Eu?! Tu não estás bem… - A rapariga fez querença de se levantar.

Maria Madalena obrigou Mónica a manter-se no mesmo lugar.

-Ouve-me! Estou farta das tuas merdas. Já um dia to disse e tu arranjaste respostas esfarrapadas. Se andas metida em seitas, bandos ou capelinhas, isso é lá contigo. Não me azucrinas é mais a cabeça e dizes-me aqui que porcaria de medalha é aquela e para que serve?

Mónica enfrentou-a:

-Já viste que andas sob grande tensão e descarregas em quem menos merece!

-És tu quem me provoca este enervamento, com segredinhos, com enigmas, com mistérios. A chave do meu carro estava no bolso das calças de Miguel. Como foi lá parar? Eu digo-te, revolveste as minhas coisas, sacaste a chave e pediste ao Miguel que fosse buscar a bodega do cordão ao porta-luvas. Não és de confiança!

-Que é isso para aí… - Gritou Pedro Dias, perante a voz alterada de Lena e Sara correu à cozinha.

-Porque discutem? – Quis saber.

Maria Madalena achou melhor ir directa ao executante. Quis abrir a porta da casa de banho mas desta vez estava fechada. Bateu e chamou:

-Miguel…

-Vou já sair. – A voz do rapaz soou calma.

-Deixa-me entrar, quero falar contigo! – Insistia Lena fora de si.

Pedro Dias desatou a rir.

-Bem…é o que eu digo. Isto dá arranjinho!

Lena, não recebendo resposta directa de Miguel, encostou-se à porta e aguardou.

Miguel saiu. Vinha em tronco nu, descalço e com os cabelos em desalinho. Porém vestia as ditosas calças.

Maria Madalena não quis esperar e atacou o rapaz mal o viu:

-Neste bolso… - deitou a mão e Miguel retraiu-se, esboçando um ligeiro sorriso.

-Não te rias que já estou bastante irritada! – Ameaçou.

-Bem…que eu saiba essa irritação já dura há quase 24 horas. – Comentou o rapaz enquanto seguia pelo corredor em direcção ao quarto que Pedro ocupava.

-Que fazes? – Quis saber Maria Madalena sem o largar.

-Vou à minha mala buscar uma blusa para vestir! Posso? – Perguntou Miguel mantendo a mesma tranquilidade.

-Sabes que encontrei no bolso das tuas calças, as chaves do meu carro?

-Sim. Guardei-as lá para tas entregar.

-E onde estavam antes? – Desafiou Maria Madalena.

-Na suite… no teu roupeiro… dentro da mala de viagem… numa pequena bolsa, fechada com um fecho.

-Deves pensar que tens graça! – Assustou-se Maria Madalena.

-Há mais alguma coisa que a minha rainha deseje saber? – Gracejou Miguel.

-E para que quiseste a chave?

-Para ir ao teu carro buscar um cordão com uma medalha que me pertence!

-A ti? – Estranhou a rapariga.

-A mim.

-E porque a usas? – Quis ainda saber Maria Madalena.

-Porque me mandaram usá-la! Porque me protege. Olha… - E o rapaz puxou da carteira e mostrou-lhe o cordão. – Só o coloco à noite e ontem… fez-me falta!

-Mas julguei que esse cordão pertencia a Mónica…-Comentou Maria Madalena, um tanto ou quanto, baralhada.

-Pois… é meu! – Ditou Miguel, sem permitir retaliações.

Maria Madalena não queria permitir que o assunto morresse ali e voltou à carga, rodeando o rapaz que vestia, com toda a calma, uma camisola de manga curta de um cor-de-rosa muito claro.

-Miguel…estou a ficar cansada de tantas confusões. Se necessitavas tanto dessa medalha porque, simplesmente, não ma pediste!

-Quando precisei dela não estavas disponível. Qual bela adormecida, tinhas partido para outras paragens!

-Miguel…não me contes histórias da carochinha, pois já sou bastante crescida para perceber que anda aqui tramóia!

O rapaz começou a rir, enquanto ajeitava com a ponta dos dedos, os caracóis rebeldes do cabelo.

-Estás-me a irritar! – Vociferou Maria Madalena, sentando-se na cama visivelmente aborrecida.

Miguel deu um passo gigante, dobrou-se e deu-lhe um beijo estaladiço na face.

-Não quero! – Gritou a rapariga

-Tudo bem! - E Miguel beijou-a na outra face.

-Afasta-te Miguel…nem tu, nem Mónica brincam mais comigo!

-E quem deve brincar? O professor Sérgio! – Lançou Miguel em jeito de desafio.

Maria Madalena foi apanhada de surpresa. Ficou temerosa, engoliu em seco e humedeceu os lábios:

-Esse assunto não é da tua conta! – Sentenciou.

-E o outro não é da tua! Digamos que tinhas em tua posse algo que me pertence e que ontem a situação ficou regularizada. – Rematou o rapaz, saindo do quarto a passos largos.

Maria Madalena correu em seu alcance.

-Quero este e outros assuntos deslindados! – Insistiu.

Miguel não respondeu. Entrou na cozinha e dirigiu-se ao frigorífico para se servir de água fresca.

Mónica ainda por lá permanecia.

-Ora muito bem…agora que vos apanho juntos, vamos tirar o assunto a limpo!

Mónica olhou-a com um certo enfado enquanto Miguel permanecia impávido.

-Não vale a pena fazeres-te de santinha…- Disse para Mónica. - E tu de inocentinho! – Esticou o dedo em direcção a Miguel.

O rapaz sentou-se numa cadeira e Mónica fez o mesmo, parecendo aguardarem os ditames da amiga.

Maria Madalena preparou-se.

-Recordas-te…quando visitámos aquele lugar da Atalaia e tu, a meio da viagem, procuraste algo entre os pastos secos da berma da estrada?

Mónica fez um gesto que sim com a cabeça.

-Tenho a certeza que foi nessa altura que achaste e guardaste o cordão com a medalha que Miguel diz, agora, pertencer-lhe.

A amiga voltou a confirmar afirmativamente com um gesto de cabeça.

-Pois, pergunto-te: como raio foi parar tal objecto à berma daquela estrada?

-Parece que alguém o perdeu… - Respondeu Mónica, sem convicção.

-E esse alguém só pode ter sido o Miguel! Certo? – Interrogou Maria Madalena, convicta de que os esclarecimentos estavam prestes a acontecer. Continuou:

-Miguel… - Voltou-se então para o rapaz que se continuava a mostrar na maior descontracção. – Já estiveste naquele local?

Miguel enfrentou-a, fixando-a no fundo dos olhos:

-Eu estou em toda a parte… - Riu-se ele e Mónica também!

-Parem! – Quase gritou Maria Madalena, colocando-se em pé. – Que treta…estou a viver um inferno!

Os amigos silenciaram-se.

-Quero respostas, quero esclarecimentos…já disse! – Insistiu.

-E se não te puderem ser dados? E se não estiver na hora, nem for chegado o momento?! – Falou Mónica.

-Eu é que decido quanto às horas e aos momentos da minha vida! E eu quero que este seja o momento das revelações!

-Bem… - Disse Miguel, coçando a cabeça. – Para tal…é necessário que Rafael esteja presente já que toda a tramóia é obra dele!

-De Rafael?! – Admirou-se Maria Madalena. – Porquê dele? Não o vejo há séculos! – Confundiu-se a rapariga.

-Que te ofereceu ele? – Questionou Miguel, segurando as mãos da rapariga. Lena deu voltas ao cérebro e recordou-se de um outro cordão, quase idêntico, que deixara em casa.

-Um cordão com uma medalha! – Disse numa voz sumida.

-Pois é. Por ti… ficou desprotegido! – Respondeu Miguel. – Situação que eu tive que remediar e que ele, desastradamente, voltou a piorar! Enfim…crianças!

Maria Madalena sentia-se num beco sem saída. Que mais deveria perguntar, quando não parecia haver respostas para lhe darem. Permaneceu em silêncio, amiudando o suspeito par. Mónica era alta e magra, tinha uma pele branca, quase cera, olhos claros e um cabelo longo ruivo e com franja. Já Miguel era um jovem robusto, com os traços do rosto marcadamente masculinos, os cabelos claros ondulados e uns fantásticos olhos castanhos! Ok! Mostrar-se-ia satisfeita, mas a partir de agora, Mónica estaria debaixo do seu olhar e Miguel passaria a ser atormentado por ela. Se queriam guerra iriam tê-la! Levantou-se.

-Muito bem! Vocês é que sabem. E se tratássemos do almoço.

Mónica pareceu felicíssima:

-Claro que sim. Qualquer coisa rápida e saudável. Salada e grelhados.

Miguel pegou-lhe ao colo e levantou-a no ar:

-Minha rainha…quanto te venero!

Maria Madalena aproveitou e sussurrou-lhe ao ouvido:

-Desejo-te!

O rapaz estremeceu e Lena riu-se para dentro.

 

Atalaia 4 - [capitulo 13]

 

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O primeiro colega que encontraram foi Pedro Dias, que estava estendido no sofá a ver televisão.

-Então Pedro… só boa vida. – Comentou Miguel, dando uma palmada no joelho do rapaz.

-Ah! Já estás mais satisfeito? – Pedro piscou-lhe um olho.

-Porquê? Ele chegou indisposto? – Perguntou Lena com curiosidade.

-Cansado. Não é Lena? Seis horas de viagem… é dose! – Informou Miguel.

-Ah! Ele vinha era louquinho para te pôr a vista em cima. Nem trazia luz nos olhos!

-Cala-te meu pateta! – Exigiu Miguel. – Para pôr a vista em cima da praia…

-Sim, sim, engana-me que eu gosto. Se não fosse saber que a menina está noivinha ainda acreditava noutro consórcio.

Maria Madalena recordou-se com azedume do seu compromisso. Um compromisso que parecia longe mas estava cada dia mais próximo.

-Chega de balelas, ó meu chanfrado…Onde está o resto da malta.

-As restantes mulheres da casa foram às compras. – Informou Pedro.

-E tu ainda foste à praia? – Questionou Lena.

-Sim…cheguei há pouco.

-E ficaste lá sozinho? – Questionou outra vez Maria Madalena.

-Estou de olho numa gaja muito sexy…tenho que aproveitar, quando estou só, para me exibir! – Gracejou Pedro.

Os amigos abanaram a cabeça e lançaram uma careta de troça.

-E vocês vão sair? – Perguntou ainda o rapaz.

-Miguel quer ir até à praia. – Lançou Lena em jeito de comentário.

-Vai que a água está um espectáculo. – Incentivou Pedro. – Mas não te esqueças que hoje o jantar é em tua honra, pelo menos foi isso que a sargenta Mónica garantiu.

-Ai é? Convidado VIP… muito bem. – Explanou Miguel.

-Vê lá não te armes…que eu tenho sido aqui o rei da casa e sinto-me muito bem nesse papel.

-Abundância de miúdas giras…anh! – Gracejou Miguel.

-Lindas!

-Vocês são uns convencidos. Homens…ó raça! – Disse Maria Madalena, enquanto se dirigia ao frigorífico e tirava um iogurte líquido.

-Vamos Lena… deixemos o Pedro a tecer redes de pesca.

-Amanhã mostro-te como me estou a safar.

-Estou doido para ver. – Lançou Miguel

-Não se atrasem que eu esfaimo muito rapidamente.

-Está bem. – Ainda respondeu Maria Madalena, seguindo Miguel que já a aguardava à porta de saída.

 

O caminho até à praia foi feito de mãos dadas. Houve apenas entre os dois conversas de circunstância e comentários sem interesse. Parece que um e outro queriam apagar da sua memória o que estava para trás e que apenas só contasse o momento presente.

Quando os pés já descalços pisaram a areia morna da praia puderam constatar que a maior parte do espaço era deles.

Caminharam à beira-mar, deixando a água beijar-lhe os pés, ir e voltar como uma carícia vezes sem conta repetida.

Ainda levaria algum tempo até que o ocaso do sol acontecesse. No horizonte silhuetas de barcos e voos de gaivotas.

-Sentamo-nos um pouco? – Sugeriu Miguel.

A rapariga consentiu e ele levou-a até onde a areia estava mais seca. Acomodaram-se.

-Vês esta concha? – Mostrou Miguel. – Foi criada para guardar um mistério.

-Um molusco, queres tu dizer! – Adiantou a rapariga troçando.

-Não… tens que ter a capacidade de ver para além do físico e do material. Enquanto cofre seguro saberá guardar um supremo bem: o da vida. Mas nem sempre o bem que se protege se consegue manter seguro, ou porque tem vontade própria ou porque segue os ditames da vida. Vai um dia aventura-se, expõe-se e fica à mercê. Num momento de infortúnio é surpreendido pelo inevitável, sacudido pelas forças adversas e definitivamente sugado por vorazes predadores.

-Todo esse tratado filosófico por causa de uma simples concha. Mais triste é vê-la tão só, qual coração partido, reclamando a outra metade querida. – Disse Maria Madalena enquanto se estendia na areia e colocava a cabeça sobre o colo do rapaz.

Miguel afagou-lhe os cabelos e brincou com a ponta do seu nariz. A rapariga olhava-o e via através dele o azul sereno do céu.

-Estás confortável? – Perguntou Miguel, contornando-lhe as linhas do rosto com as pontas dos dedos.

-Muito. – Respondeu Lena com letargia. – Se fosse possível manter-me-ia assim eternamente.

-E quem te impede? – Parafraseou Miguel.

-Provavelmente eu própria.

-Ás vezes somos nós os nossos maiores inimigos. – Lançou o rapaz em jeito de desabafo.

A rapariga, procurando evitar que Miguel quisesse abordar assuntos incómodos, questionou:

-Então conta lá, como avisaste a Mónica da tua chegada?

-Telefonei-lhe!

-Quando e para onde? – Frisou Maria Madalena.

-Ontem, já noite adiantada. – Informou Miguel, perdendo o olhar na imensidão do mar.

-Ela não me contou. – Reclamou.

-Quis fazer-te uma surpresa. – Garantiu o rapaz.

-Fiquei maravilhada. – Maria Madalena fixou Miguel olhos nos olhos.

-Eu também. – O rapaz respondeu num sussurro.

Maria Madalena abandonou-se aquela empatia. Aquele momento era seu, ninguém lho poderia roubar.

-Acreditas que estou a ver o Stor Sérgio? – Proferiu Miguel como uma sentença.

O coração de Lena disparou e a sua primeira reacção foi ocultar-se, esconder-se, refugiar-se no colo protector do rapaz.

-Então que é isso? Medo do lobo mau? – Riu-se o amigo, enquanto a estreitava mais contra si.

A rapariga receou que Miguel suspeitasse do seu relacionamento com Sérgio e procurou recompor-se, enfrentando o assunto.

-É provável. Ele está por perto. – A sua voz soou embaraçada.

-Em sua casa de Vilamoura. – Afirmou o rapaz sem qualquer perturbação.

-Como sabes? – Interrogou Lena com espanto.

-Então…se todos vós pernoitaram lá esta noite!

-Sim…é um facto! Depois de aceitarmos um convite para jantar, fez-se tarde…

-Fez-se tarde…Pedro bebeu demais, as meninas foram para a disco, etc, etc. – Comentou Miguel com indiferença.

Lena começava a acreditar que Miguel sabia para além do justificável.

-Falas como se estivesses lá estado. – Comentou Lena

Miguel esboçou um sorriso.

-Vamos! – Disse resoluto. – Até aquela duna, apreciar o pôr-do-sol.

Lena não queria expor-se. Ainda mais sabendo que Sérgio andava por perto. “Veio de certo reclamar a presa” – Pensou.

Miguel ergueu-se e ajudou a rapariga a levantar-se, amparando-a nos braços.

Seguiram muito juntos até ao local escolhido. A praia estava agora a ficar deserta.

Lena procurava em cada recanto a presença indesejada de Sérgio mas nada via que a denotasse.

-Vamos aquele bar comprar um refrigerante ou uma água fresca. – Sugeriu Miguel.

Lena amiudou os clientes do bar, cerca de quatro ou cinco. E se um deles fosse Sérgio?

-Vai tu…eu fico aqui a marcar lugar. – Brincou.

-Ok! -Concordou o rapaz. – Compro-te um refrigerante.

-Traz-me antes uma água.

Miguel afastou-se em direcção ao bar e Maria Madalena manteve-se sentada, visualizando o sol a esconder-se. Semicerrou os olhos e deixou-se embalar pelo cantar das ondas.

-Este lugar está reservado?

Constatar a presença real de Sérgio foi um verdadeiro tormento.

A rapariga abriu os olhos e viu a figura alta e máscula ocultando o pôr-do-sol.

-Estou acompanhada! – Informou Maria Madalena com firmeza.

-Pelo inocente Miguel? Já tive a oportunidade de o comprovar!

-Então…queira desculpar mas agradecia que continuasse desocupado o lugar ao lado do meu.

Em resposta o homem sentou-se no preciso alto de areia, que a duna fazia.

Maria Madalena contrariou-se e mostrou intenções de se levantar.

O homem segurou-a pelo ombro, exercendo sobre ele uma pressão que a obrigou a manter-se no mesmo lugar.

-O que é prometido é devido. Este passeio ao entardecer pertence-me! – Sentenciou. – Não deixarei que nenhum badameco se interponha entre nós.

A rapariga enfrentou-o:

-Digo-lhe…nada me fará abdicar deste momento. Miguel é um amigo muito querido, devo-lhe a minha atenção!

-Atenção?!… não será antes interesse! Que pensas que esse frouxo te pode dar? Nada! É um incapaz!

Lena começava a ficar seriamente irritada com a grosseria de Sérgio.

-Queira controlar-se. Eu não sou propriedade sua e nada lhe devo! Agora se faz favor, ausente-se…

Sérgio olhou na direcção do bar e viu que Miguel já estava servido.

-Ausento-me por agora mas…veremos se esse inútil terá coragem de medir forças comigo!

Maria Madalena exasperou. Em que aberração Sérgio se tinha tornado!

O homem levantou-se e desapareceu por detrás da duna, o mesmo lugar de onde tinha surgido.

A rapariga procurou Miguel e tranquilizou-se ao vê-lo encaminhar-se para ela.

-Água fresca. – Indicou o rapaz quando chegou, oferecendo-a à rapariga. – Queres que a abra? – Perguntou com gentileza.

Ela sorriu e ele retirou a tampa da garrafa. Lena esticou a mão para a apanhar.

-Espera! Deixa-me dar o primeiro gole.

Maria Madalena estranhou mas não se incomodou.

Miguel deu um gole, outro e depois outro.

-Ó meu doido então…a água não é para mim! – Retaliou a rapariga.

-Calma. Deixa-te estar que primeiro que bebas vou…baptizar-te!

Maria Madalena soltou uma divertida gargalhada.

-Para tua informação já sou baptizada, comungada e crismada!

-Por mim não! – Disse o rapaz com seriedade. Depois deitou um pouco de água sobre a mão em concha e espalhou-a sobre a cabeça da rapariga. Em seguida segurou-lhe o rosto entre as duas mãos e ordenou:

-Olha-me nos olhos. Bem dentro deles.

Maria Madalena satisfez o pedido e fixou com profundeza o olhar de Miguel.

De imediato todos os males do mundo pareciam ter desaparecido. Todos os medos tinham deixado de existir, todas as misérias humanas haviam sido banidas! Se algum sentimento se podia apelidar de felicidade, paz ou concórdia só podia ser aquele que, naquele preciso instante, partilhava com Miguel.

A intensidade das emoções era tão forte que segundos depois diria que nos olhos do jovem dançavam figuras imperceptíveis e raiavam imagens, tal qual flashes, reproduzindo-se e expirando a uma velocidade irrefreável. A rapariga queria manter a sua racionalidade, procurando respostas plausíveis para as sensações que a assolavam. Mantinha-se presa aos olhos de Miguel, levitando e pairando acima do inteligível e sentia que perdera o controlo sobre si e que estava prestes a perder a consciência. Em vez de se alarmar, continuou envolta numa doce e serena paz. Abandonou-se e mentalmente evadiu-se. Ainda sentiu o amparo dos braços de Miguel, depois mais nada.

 

A pressão que experimentava no peito, só a incomodava porque a trazia de volta á realidade. O rumorejar das ondas e o bater da água embalavam-na docemente e experimentava na boca o sabor amargo do sal.

Um rumor abafado chegava-lhe ao ouvido

-Está consumado o sacramento! Falta apenas iniciar-te na procura da luz…

Foram novamente os braços de Miguel que a ampararam e a retiraram do mar.

A rapariga deixou-se levar. Ele sentou-se na areia da duna, com ela no regaço e aconchegou-a com meiguice.

-Abre os olhos lentamente, está na hora de assistir ao pôr-do-sol!

Maria Madalena obedeceu e viu surgir um espectáculo exuberante. Uma bola de fogo produzindo uma explosão magnífica de cores.

Prendeu a visão à luz derradeira do sol, encostou a cabeça ao peito de Miguel e relaxou.

-Um dia… assistiremos juntos ao nascer da estrela. – Disse-lhe o rapaz com suavidade. – Agora regressemos que se aproxima o crepúsculo.

 

Maria Madalena fez um esforço para se levantar, parecendo-lhe a ela que tinha passado uma eternidade. As suas roupas, embora leves e frescas, tinham secado num instante e as sensações que tinha vivido, estavam a apagar-se da sua memória.

-Sinto-me ainda um pouco tonta! – Lançou a título de desabafo.

Miguel apoiou-a:

-Também eu me assustei!

-Sim e porquê?

-Pareceu-me uma brincadeira de mau gosto não ter avaliado que a água quase gelada sobre a tua cabeça a escaldar poderia provocar-te um choque térmico violento. – Disse o rapaz com convicção.

-Sim. Recordo-me de quereres baptizar-me. – Lena sorriu.

-É. Não medi as consequências e por instantes perdeste a consciência.

-Verdade. Mas nada receei, nem entrei em pânico. – Garantiu a rapariga.

Miguel ficou em silêncio para depois mudar de assunto.

-Vamos…de certo já nos aguardam para jantar.

Lena, perfeitamente restabelecida, encaminhou-se de braço dado com Miguel.

-Porque me levaste para o mar!

-Estava indeciso com o que deveria fazer. Às vezes são necessárias medidas drásticas. Em poucos segundos estavas a recuperar a consciência.

-É. Devo estar fraca.

-Eu estou aqui para te fortalecer. – Sorriu o rapaz apertando-a contra ele.

-É preciso eu comer bastante? – Questionou Lena a gracejar.

-Um certo tipo de alimento sim.

-Ok. Estou esfaimada.

-E eu também. Perdi imensas energias!

-A carregar comigo? – Brincou novamente a rapariga.

-Claro. Estás a ficar pesadinha. – Censurou Miguel amiudando as formas de Lena.

-Mentiroso. Tenho tudo no lugar certo. – E a rapariga fez querença de se exibir.

-Tudo nas devidas proporções. – Embebeu-se o rapaz.

-Onde dormes? – Quis Maria Madalena saber.

-Desconheço mas tenho a certeza que é Mónica quem o vai decidir.

-Também me parece. – Assentou Lena. – É ela quem tem gerido estas férias. Não tem outras ocupações.

-Ela acha que tem bastantes.

-Devia arranjar um namorado. Gabriel era a pessoa ideal!

Miguel pareceu constranger-se quando ouviu o nome do irmão.

-Que dizes? Isso é um absurdo!

-Porquê? O teu irmão é um jovem muito bem-parecido e eles parecem entender-se.

-Não. Gabriel é um ser muito complexo!

-Sim complexo, estranho, alucinado…aliás características comuns aos três! – Determinou Lena.

-Que sabes tu…minha tontinha? – Miguel roçou os seus lábios pelos cabelos da rapariga.

-Sei umas coisas.

-Tais como?

-Que me fazes feliz. – A rapariga semicerrou os olhos com ternura.

O rapaz já não respondeu. Acabavam de deixar a tranquilidade da praia e entravam nas ruas movimentadas de Albufeira. Calcorrearam-nas unidos, separando-se apenas à entrada de casa.

A azáfama do jantar era bem visível e até Pedro Dias andava em refrega.

-Malta…estamos de volta! – Anunciou Lena.

-E já não era sem tempo… - Foi o desabafo de Pedro.

Miguel sorriu-se e o rapaz chamou-o:

-Está na hora de entrares ao serviço. Vá…substitui-me.

-Eu? Mas eu não sou o convidado de honra? – Riu-se Miguel. – Tenho que tomar um duche e vestir-me de acordo com a ocasião.

-Olha as mordomias…estava eu a viver uma vida de sonho, qual sultão no meu harém e surge vossa majestade para me destronar. Pois saiba que o desafio para um duelo! – E o rapaz voltou-se na direcção de Miguel com a colher em punho.

Maria Madalena interrompeu o gracejo:

-E Magda?

Mónica incomodou-se mas foi Adília quem respondeu.

-Quando fomos às compras, encontrou-se casualmente com o prof., ele convidou-a para lanchar e…até agora!

Maria Madalena alarmou-se, embora procurasse disfarçar a agitação.

Mónica e Miguel entreolharam-se.

-Essa gatinha…onde lança as garras, prende! – Comentou Pedro sem grande interesse na questão.

-Amiga Mónica, onde posso purificar-me! – Interrompeu Miguel, questionando a amiga.

-Enquanto não reorganizarmos o espaço, podes tomar banho na nossa “suite”.

-Eu também necessito de um duche, estou coberta de sal. – Comentou Maria Madalena.

Mónica apreciou-a.

-Não tomem é banho juntos! Que a casa pode explodir tal a tensão acumulada que Miguel revela em cada poro. – Gracejou mais uma vez Pedro Dias.

O amigo foi junto dele e fez menção de lhe apertar os colarinhos.

-Continuas a dizer baboseiras e vou-te chegar a roupa ao pêlo.

-Vá…se és homem! – Empeitou-o Pedro. Depois quase em surdina. – Estás pelo beicinho.

Miguel mostrou-se levemente contrariado e Mónica apressou o final da brincadeira.

-Miguel se queres… podes seguir já.

-Sim. – Concordou o rapaz.

-E apressa-te que estou cheia de comichão. – Ordenou Lena vendo-o desaparecer da cozinha.

Maria Madalena dirigiu-se a Mónica que tratava de um assado no forno.

-Vou-te ajudar. – Disse.

-Não é necessário. Está tudo pronto. É só vocês os dois se despacharem.

Maria Madalena segurou a mão da amiga e comentou num sussurro:

-Magda vai-me dar chatices.

-Azares…! – Proferiu Mónica em jeito de desabafo!

-Vou chamá-la à varinha… - Determinou-se Lena, sem esperar o consenso de Mónica.

A amiga resmungou:

-Nem que fosse de condão…terias sorte!

-Alguém está a usar a outra sala de banho? – Perguntou Lena no meio da cozinha.

-Era eu…mas já terminei. - Informou Sara, entrando na cozinha mesmo acabadinha de sair do duche.

-Posso? – Questionou Lena.

-Claro. – Se quiseres serve-te do champô e do gel de duche.

-Ok! Obrigado. Podes-me emprestar também um lençol de banho?

-Sim. – Consentiu a rapariga voltando ao quarto e trazendo uma toalha de banho que estendeu a Lena.

Depois desapareceu na cozinha e Lena encaminhou-se para a sala de banho. Recordou-se então que nada tinha para vestir. Ao fundo do corredor que distribuía os quartos era a suite. Bateu à porta com o nó dos dedos e como ninguém lhe respondeu, abriu-a e entrou. Escutava ainda o som da água a cair do chuveiro. Miguel ainda se encontrava no duche. A rapariga dirigiu-se ao compartimento do roupeiro onde tinha as suas roupas e escolheu um vestido leve e solto, apanhando igualmente, a roupa interior e as sandálias.

Prontificou-se a sair tão oculta quanto entrara mas… não o fez! Deitou sobre a cama as roupas escolhidas e encaminhou-se com um sorriso matreiro até à porta da sala de banho. Segurou o puxador e rodou-o. A porta abriu-se e ela espreitou. Se Miguel soubesse que observava as suas formas através da protecção de fibra do polibã, iria ficar em pânico. Só essa lembrança a divertia.

Entrou muito sorrateiramente e apanhou a escova de dentes. Foi nesse preciso momento que o rapaz abriu a protecção e expôs perante ela a sua tentadora nudez.

Em vez de se mostrar embaraçado Miguel esboçou um sorriso malicioso e ostentou-se!

Maria Madalena engoliu em seco. E foi ela quem ficou acanhada. Virou a cara, puxou o lençol de banho e atirou-o para cima de Miguel.

O rapaz rodeou-a.

-Gosto de andar como vim ao mundo! – Disse com zombaria.

-Não estarás já demasiado crescidinho? – Sorriu-se Lena, voltando-lhe as costas.

O rapaz seguiu-a e pressionou levemente o seu corpo contra o da rapariga.

-Que fazes? – Perguntou ela num sussurro rouco.

-Shiu… - e Miguel inclinou-se roçando o seu rosto molhado pela nuca de Lena enquanto lhe saboreava a pele.

-Sabes a sal… - Lambeu-lhe o pescoço uma e outra vez e foi rodeando com os seus braços o tronco da rapariga.

Maria Madalena abandonou-se e foi deixando que os afagos de Miguel se tornassem cada vez mais ousados, enquanto crescia nela uma plenitude exuberante.

Perfeitamente controlado o rapaz passava as suas mãos para o interior da blusa branca e acariciava-lhe o ventre com uma delicadeza extrema. Subindo e descendo, em volta do umbigo, nos estreitos flancos e mais uma vez subindo, subindo… quase tocando-lhe os seios!

-Tenho que ir…

-Onde? – Sussurrava-lhe Miguel ao ouvido, continuando a explorá-la com deleite. Desapertando-lhe o botão dos calções e contornando com a ponta dos dedos a sua fina cintura.

Maria Madalena prendeu-lhe as mãos, procurando que ficassem quietas e não a atormentassem mais.

O rapaz deixou que apenas uma se entrelaçasse entre as dela, a outra desceu até às suas coxas desnudadas, roçando-lhe as formas e a suavidade da pele.

Maria Madalena fez querença de se voltar. Queria ficar de frente para ele e estreitar-se sobre o seu peito mas Miguel mostrou-se determinado em manter-se como estava e as suas mãos em total desatino foram buscando a repetição das formas e o contacto cálido da pele, contornando e ameigando, subindo, crescendo e elevando-se…até roçarem e amimarem as pontas erectas dos seios.

Miguel mostrava-se agora muito mais ofegante enquanto partes do seu ser se avolumavam!

A rapariga estremecia e mostrava-se disposta.

Num disparo de voluptuosidade contida, o rapaz encrespou-se, apertou os punhos e muito a custo abandonou o físico da rapariga:

-Porquê? Porque me é negado este deleite?! – Rosnou.

Maria Madalena voltou-se de vez e Miguel apressou-se a ficar de costas para ela!

-Olhos nos olhos…não! Não me poderia controlar! – Quase mendigou!

A rapariga acariciou-lhe o tronco e agora foi ela, ainda em desejo, que se apertou com força contra ele.

O rapaz debatia-se para não se entregar, segurando-lhe as mãos apertadas sobre o seu ventre musculado.

Maria Madalena saboreou-lhe a pele, lambendo-lhe aos poucos a parte detrás do tronco, seguindo-lhe o dorso e a forma apurada da estrutura óssea.

-Sabes a açúcar…! - Sussurrou a rapariga com meiguice.

Miguel esboçou um trejeito de riso e Lena aproveitou a quebra para libertar uma das mãos e deixá-la descer pelo ventre do rapaz.

Num impulso incontrolado, Miguel apertou-lha não lhe permitindo que a movesse em zona proibida!

Maria Madalena soltou um riso maroto!

-Deixai-me rainha… que este jogo é perigoso. – Ouviu-se Miguel proferir. – Quereis que nos surpreendam com a boca na botija!

-Siiimmm!

-Nãaaooo!

-Foste tu que começaste! – Disse a rapariga, continuando colada a ele e como não lhe chegava à nuca mantinha os lábios em derretidas carícias, entre a cintura e os ombros. Por vezes arrastava demoradamente a língua sobre a pele do rapaz e este vibrava de prazer! Num desses toques sentiu, abaixo da zona dos ombros, uma ligeira protuberância!

Desviou-se um pouco e quis senti-la com o tacto.

Miguel apercebendo-se de imediato da sua intenção. Retraiu-se, esticou-se e apanhou o lençol de banho, cobrindo-se com ele!

-Migueell…estás demorado?

A voz de Pedro Dias quebrou a envolvência. Lena desorientou-se e quis esconder-se.

Numa voz clara, ainda que embargada de emoção, Miguel respondeu:

-Estou mesmo de saída!

-Vá lá pá…estás pior que a noiva de Arraiolos!

-Vai…que em três segundos, apareço!

-Ok! Agora vou-me à outra noivinha! – Resmungou Pedro, afastando-se da porta. - Ó gentinha sem pressa! Estou prestes a definhar de fraqueza.

Miguel foi o primeiro a abandonar a sala de banho e Lena seguiu-o com rapidez.

-Porque não tomas banho aqui mesmo! – Disse-lhe o rapaz com aparente serenidade.

A rapariga olhou-o.

-Voltas a entrar comigo?

Miguel desviou o olhar.

-Ficamos por aqui! – Sentenciou.

Maria Madalena amuou. Pegou nas roupas e saiu porta afora com uma lágrima teimosa rasando-lhe a vista.

 

Atalaia 4 - [capitulo 12]

 

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A rapariga assustou-se e debateu-se, atirando com as flores contra o rosto masculino. Este, ferido no seu orgulho, reagiu apertando-a com força contra ele. Sobre o vestido fino da rapariga as formas desnudadas do homem, moldavam-se às suas, procurando encaixar-se em lugar prazenteiro.

Sérgio aprisionava-a no seu enlace pleno e arrastava-a consigo em direcção à cama. Apenas as pernas, ainda que sem forças e o rosto se mantinham a salvo mas já o homem se apercebera e passara a beijá-la sofregamente. Os dentes afiados de Lena aproveitaram a proximidade e cravaram-se afincadamente no lábio inferior do homem. A dor retraiu-o por alguns segundos mas depressa se recompôs e redobrou a sua força sobre a rapariga, empurrando-a de uma vez para cima da cama. Quando se debruçou sobre ela e a olhou intensamente no fundo dos olhos, a sua bestialidade pareceu enfraquecer e a pressão deu lugar a demoradas carícias.

Maria Madalena sentia sobre si o peso do homem e os afagos excitantes que ele lhe fazia, pensava em gritar mas que ridículo seria acordar a casa toda e ver-se censurada pelos amigos.

-Sérgio…-Sussurrou-lhe ao ouvido.

O homem abrandou a sua avidez e ficou alerta.

-estás a quebrar as tuas promessas! – Acrescentou sorrateiramente.

De imediato o homem se retraiu e aliviou a pressão.

Lena voltou a falar-lhe baixinho:

-assim nunca mais poderei confiar em ti.

A racionalidade do homem deu razões de si e ele ficou estático sobre a rapariga.

-Juraste a que nada me obrigarias! – Voltou Lena a sussurrar enquanto era ela agora que, segurando-lhe o rosto, o procurava fixar lá bem no fundo do seu negro olhar.

-Não me queres? – Perguntou Sérgio com amabilidade.

-Acho que…deveríamos ter em conta a tua própria proposta. Retrair agora a irracionalidade física e promover a verdade dos sentimentos.

O homem foi abandonando aos poucos o corpo da rapariga e ficou sentado sobre a cama.

A sua voz soou com desalento:

-Sou uma besta! Não mereço a tua dádiva…

Lena, aproveitando a aparente debilidade do homem, colocou-se de imediato em pé. Ajeitou o vestido e passou várias vezes as mãos pelos cabelos.

Sérgio segurou-lhe a mão com afectividade:

-Não me abandones, preciso de ti…sou adulto mas tenho alma de menino. Vejo em ti a minha própria salvação!

A rapariga sentiu que Sérgio estava à sua mercê e que colocava sobre os seus ombros mais uma inglória tarefa.

-Estou aqui! – Garantiu para o tranquilizar.

-Posso contar contigo? – Mendigou o homem, para depois acrescentar mostrando honradez: - Amizade. Dá-me a tua amizade e até que os nossos corações se encontrem, jamais te pressionarei!

Maria Madalena estava a ficar enjoada de tanta lamechice e desejava que aquele desditoso encontro terminasse. Para que tal acontecesse estava até disposta a garantir fosse o que fosse!

-Estou disponível para aceitar que a nossa relação floresça com base na amizade, na partilha e na compreensão mútua.

-Eu também. – Garantiu o homem com reconhecimento. Convido-te para amanhã passearmos juntos à beira-mar.

-É… um passeio ao entardecer, pode ser um bom começo. Até amanhã Sérgio. – E a rapariga beijou, ao de leve, o rosto do homem.

-Sonhai com todas as cores do arco-íris…minha adorada! – Lançou o homem em jeito de despedida ainda que, em toda a sua nudez, a rigidez dos seus músculos mostrasse uma contenção desesperante!

Maria Madalena foi-se afastando aos poucos e quando alcançou a porta do quarto, acenou em jeito de despedida.

Os olhos negros de Sérgio, continuaram a persegui-la e a penetrá-la até à mais ínfima essência do seu ser!

Maria Madalena fechou atrás de si todas as portas que a sua curiosidade tinha aberto e subiu as escadas, entrando no quarto. Deu duas voltas à chave na fechadura e preparou-se para adormecer em paz!

-Empenhaste mais uma vez a alma e um dia vais vendê-la… – A voz da sua consciência fez-se ouvir vinda da cama ao lado.

-Mónica não me azucrines! – Ameaçou Maria Madalena, enquanto apagava a luz e se deitava.

-Promessas, juras, comprometimentos…que vida! – Proferiu a amiga com enfado.

-Cala-te! Quero dormir. – Fez soar Lena com brusquidão.

-E amanhã… quando chegar o entardecer, como pagarás?

Maria Madalena já não respondeu.

-És uma inconsequente. Porque não entraste na porta da direita?

-Porque estava encerrada! – Quase gritou Lena sem se conter!

-Tu própria tens a chave!

-Mónica…desculpa, mas não estou para joguinhos e não me apetece aturar o teu azedume e as tuas lições de moral.

Levantou-se e mudou de quarto. Quando as raparigas regressassem, faria Magda, dormir com Mónica.

Enroscou-se no sofá e ainda que sobressaltada, acabou por adormecer.

Os ruídos destabilizadores das jovens vieram despertá-la daquela letargia. Apercebeu-se de imediato que tinha trancado a porta á chave e por isso, correu a abri-la.

Sara e Adília vinham tão alegres que julgaram ter-se enganado no quarto. Lena sossegou-as.

-Optei pelo vosso sofá, pois tive dificuldades em adormecer e estava a incomodar a Mónica.

-Então e agora? – Perguntou Adília, soltando uma sonora gargalhada.

-Eu permaneço no sofá e Magda pode dormir na cama que me estava destinada! – Respondeu Maria Madalena, regressando ao seu lugar.

-Essa é boa… perdemo-la! – Exclamou Sara, atirando-se para cima da cama.

-Quem? – Perguntou Maria Madalena embora já se sentisse inquieta pois não via Magda em parte alguma!

-A tua priminha…é má bicha! – Ainda acrescentou Adília, enquanto se dirigia para a sala de banho que o próprio quarto tinha em anexo.

-Onde está a Magda? – Perguntou Lena, dirigindo-se a Sara que quase se apagava sobre a cama.

-Ficou com o prof. Foram caminhar pela praia sob a luz prateada do luar!

-E a vós, quem vos trouxe?

-Dois excelentes amigos.

-Mas não ficou o professor Sérgio de vos ir buscar?

-Sim e foi. Ai…não me apetece dar mais pormenores. Quero descansar o canastro! – Sentenciou Sara, voltando-se para o lado e tapando a cabeça com a almofada.

Lena avançou para a sala de banho. Bateu.

-Adília…para onde foi a Magda?

-Fugiu! – Respondeu a rapariga com evidente despropósito.

-Vocês estão a ser inconsequentes e eu estou deveras chateada. – Ameaçou Lena, já com um certo receio, por não saber o paradeiro da rapariga que tinha levado à sua guarda.

-Ela regressa. Deixa estar. – Proferiu Adília, ainda do interior da sala de banho, onde ruídos estranhos denotavam a indisposição da jovem.

Lena resolveu sair do quarto e ir ela própria procurar a rapariga. Certamente estaria entretida a exibir-se para Sérgio.

Desceu as escadas, foi ver à sala e depois à cozinha. Ninguém. As portas encerradas dos aposentos de Sérgio ainda lhe inspiravam algum respeito. Não lhe apetecendo nada voltar a pressioná-las.

Mas será que Magda não estava lá dentro! E se estivesse? Que fazia por lá? Envolvia-se com Sérgio!

Se entrasse poderia evitar essa inconsequência. Amiudou primeiro se ouvia ruídos. Apurando a audição apercebeu-se que o som de uma voz feminina, ainda que dissimulada, fazia-se escutar.

Era Magda, só podia ser! Rodou o puxador da porta e esta abriu-se. A saleta privada de Sérgio estava na escuridão total. Ligou a luz e reconheceu sobre a mesa as duas taças de cristal usadas e abandonada meio-cheia, a garrafa do espumante. No bengaleiro apenas um casaco. Sinal que Sérgio tinha saído! Olhou então demoradamente para a porta do quarto, visivelmente encerrada. Num momento de interior reflexão apercebeu-se de que já não chegava até si quaisquer murmúrios de vozes. Caminhou decidida até á porta e abriu-a. O espaço encontrava-se deserto. A cama ainda amassada pelos afagos anteriores em que o seu corpo se viu envolvido e sobre o leito, largado, o conjunto branco de langerie. Não vislumbrava nada que denotasse a presença de Magda naquele lugar. Saiu.

Quando se viu novamente no hall, o som da voz feminina fez-se de novo ouvir. Lena deitou o olhar à porta da direita. Era dali que os rumores soavam!

Aproximou-se e rodou o puxador. Em vão! A porta continuava encerrada.

“Tu própria tens a chave” – recordou-se do comentário de Mónica. Pois bem iria desassossegar a rapariga e fazê-la trocar tudo por miúdos.

Subiu as escadas com desenvoltura e lançou-se num ímpeto quarto adentro.

A cama que Lena antes ocupara, continuava vazia e ao seu lado cama idêntica, não tinha ninguém.

Foi ver na sala de banho, ao fundo das escadas. Não. E no quarto de Sara e Adília? Entrou.

Perfeitamente entregues ao descanso, apenas as duas raparigas se estendiam sobre a cama.

Sala de banho, aberta. Não.

Correu escadas abaixo. Encostou a orelha destra à porta da direita! Continuava a ouvir rumorejar!

Deu mais um empurrão na porta mas esta continuou sem ceder.

Sala, sala de jantar, cozinha, quarto do Pedro. Achou absurdo ir destabilizar o amigo mas mesmo assim, à cautela, lá foi espreitando. Com a luz do corredor acesa, para evitar que a claridade directa o incomodasse, vislumbrou, atirada sobre o leito, a forma individual de Pedro. Nada mais.

Onde se teria enfiado Mónica? E Magda e Sérgio?

Em passo apressado foi colocar-se novamente em frente à misteriosa porta. Encostou-se a ela. Apurou a audição. Escutou atentamente. Aguardou, aguardou e…nada! Nem um sussurro, nem um rumor, nem um murmúrio!

“A casa estava agora numa quietude plena”

A rapariga mostrando evidentes sinais de fadiga, atirou-se sobre o primeiro degrau da escada e aí procurou aquietar.

-Lena…que fazes aí? – A voz de Mónica soou do cimo das escadas.

Maria Madalena retorceu o pescoço e fixou a amiga como se de uma assombração se tratasse.

-Onde tens estado? – Perguntou com aspereza.

-No sótão! O professor Sérgio tem lá montada uma excelente biblioteca.

-O quê? – Estranhou Lena.

-Sim. Ele próprio me indicou o acesso.

-Quero ver! – Assegurou Lena, desconfiando das informações de Mónica.

-Então sobe. – Aconselhou Mónica, esperando por ela no cimo das escadas.

Lena não se fez esperada e galgou as escadas com velocidade.

Mónica que se encontrava no hall, entre as escadas e a casa de banho, deu alguns passos em direcção a um roupeiro de madeira embutido na parede.

-Nestes projetos de construção não é autorizado o aproveitamento de forros, por isso o prof. ocultou a entrada com este roupeiro.

A rapariga fez deslizar a porta e uma nova escadaria, embora mais estreita, desenrolava-se.

-Vamos sobe… atrás de mim!

Seguiram. Dez degraus depois entravam numa espaçosa e cómoda dependência, toda forrada a madeira, desde o tecto às paredes e com chão de corticite. O próprio forro das paredes permitia o encaixe das estantes que estavam carregadas de livros. Num dos cantos uma lareira de tijolo antigo, uma mesa de trabalho e vários instrumentos de pesquisa. Dois cadeirões em pele assentavam sobre um artesanal tapete de Arraiolos e vários outros móveis e objectos de decoração faziam daquele espaço um lugar extraordinário para relaxar, pesquisar e estudar.

-Vês! Foi aqui que estive. Assim que saíste do quarto mal-humorada, acordei, deambulei e lembrei-me de vir ler qualquer coisa.

Atiraram-se as duas sobre os cadeirões vazios.

Foi Maria Madalena quem interrompeu o silêncio que ficou entre elas.

-Mónica estás a ver a porta que fica à mão direita, no hall inferior das escadas?

-Sim. – Disse a rapariga com interesse.

-Está fechada! – Assegurou Lena.

-E daí? Que mal tem? – Perguntou Mónica, desviando o olhar.

-Escutei de lá voz de mulher!

-A sério?

-Sim. Apenas um leve rumorejar, não se percebendo o que dizia. – Garantiu Lena.

-Devem ser as raparigas. Já chegaram certamente, porque a madrugada vai adiantada! – Alvitrou Mónica.

-Sim chegaram e duas já adormeceram. Vinham levemente alcoolizadas.

-Sara e Adília. Estava-se mesmo a ver! – Sorriu-se Mónica.

-Mas da Magda nem sombras. – Comentou Maria Madalena.

-Não chegou ainda?

-Não. Está com o professor. – Adiantou Lena.

-Essa está mortinha e aflitinha. Onde estão? – Incomodou-se Mónica.

-Devem estar no compartimento vedado por aquela porta!

-Daí a voz de mulher?

-Exacto. – Confirmou Lena.

-Não devem lá ficar a noite inteira. – Comentou Mónica.

-Podíamos ir juntas ver se a porta cedia.

-E como cede se está trancada?

-Recordas-te de teres dito que eu própria tinha a chave? – Inquiriu Maria Madalena, fitando a amiga de frente.

-Eu?! Quando?

-Quando regressei ao quarto para me deitar.

Mónica desatou a rir.

-Só podia estar a sonhar! Que posso eu saber dos teus passos perdidos…

-Vês… lá estás tu outra vez com enigmas. – Aborreceu-se Lena, levantando-se. – Vou descer e procurar Magda. Se ela se descontrola e algo de mal lhe acontece quem há-de ouvir as gentes da aldeia. Não me bastava ter de guiar os meus passos, senão ainda os daquela estouvada.

-Vamos juntas… - Consentiu Magda. – Alguma coisa haveremos de descobrir.

Apressaram-se a abandonar o sótão, descendo as escadas num ápice.

Mónica entrou no quarto que ocupava, disposta a agasalhar-se melhor, não houvesse necessidade de terem que sair para o exterior. Embora fosse Verão, o ar marítimo arrefecia as madrugadas.

Maria Madalena aguardou que a amiga ficasse pronta e juntas desceram a escadaria principal. Quando passou junto à porta destra, não resistiu a encostar-lhe o ouvido e voltar a empurrá-la. Mónica auxiliando a amiga, fez o mesmo.

-As minhas ilustres meninas desejam alguma coisa dessa porta?

As raparigas sobressaltaram-se.

Sérgio em pijama leve e roupão aberto mostrava-se, encostado à soleira da porta da sala.

-Stor… - Foi o que Mónica conseguiu dizer mas Maria Madalena, dirigiu-se decididamente para ele.

-Pareceu-me há pouco soarem vozes daqui.

-Vozes? – Estranhou Sérgio.

-Bem…rumores de vozes ou pelo menos voz sussurrante de mulher! – Acrescentou Lena.

-Não me parece. – Desacreditou Sérgio.

Lena lembrou-se então que nada sabia ainda, sobre o paradeiro de Magda.

-E Magda onde está? – Questionou.

O homem pareceu admirado.

-No seu quarto. Pelo menos eu…vi-a subir para se recolher. – Respondeu.

-Mas não chegou com Sara e Adília. – Desafiou Maria Madalena.

-E quem controla essas vossas duas amiguinhas? Eu não… -Assegurou o homem.

-Elas informaram-me que o senhor e Magda mostraram interesse em passear ao luar! Antecipou-se ah… - Disse Maria Madalena entre dentes.

Mónica qual espectadora entediada, retrocedeu e foi sentar-se nas escadas, mirando a misteriosa porta.

Sérgio sorriu para Lena e sussurrou:

-Será que vejo em si…uma leve pontinha de ciúmes?

-Não. Nem uma pequena beliscadura. Agora, se me dá licença, vou confirmar o paradeiro de Magda.

-E amanhã? – Lançou o homem em voz baixa.

-O amanhã já é hoje… - Respondeu a rapariga contrariada.

-E o entardecer? – Sérgio relembrou.

-Para que quer alguém o entardecer quando já teve o luar! – Rematou Lena, virando-lhe as costas.

-Prof…-Chamou Mónica. – Para onde dá esta porta?

-Para a cave! – Respondeu Sérgio com desagrado.

-Vês Lena…coisa simples. – Concluiu Mónica.

Lena não proferiu nem mais uma palavra. Subiu as escadas, entrou no quarto e deparou com Magda enroscada no sofá, perfeitamente adormecida. Regressou ao seu quarto e ocupou a sua anterior cama. Antes que Mónica comentasse algo, ela advertiu:

-Se disseres seja o que for, irrito-me deveras e abandono de imediato esta casa infernal.

A amiga limitou-se a manter-se calada.

Lena voltou a levantar-se e foi trancar à chave a porta do quarto.

Mónica não conseguiu controlar um riso abafado e num rumorejar imperceptível ainda comentou:

-Depois de casa arrombada, trancas na porta!

 

Já a manhã de Sexta-feira ia adiantada, quando os convidados se preparavam para abandonarem a casa do professor Sérgio. Pedro, Magda, Sara e Adília fizeram questão de fazer companhia a Sérgio num demorado e nutritivo pequeno-almoço, confeccionado e servido pela D. Eunice. Lena e Mónica apenas tomaram café e a cada oportunidade incentivavam os amigos para se apressarem. Sérgio não deixava de lançar demorados olhares sobre Maria Madalena e insistir com a malta para que se voltassem a encontrar à tarde na praia. Maria Madalena apercebia-se do interesse de Sérgio em manter o contacto mas ela já se tinha decidido a não lhe dar nem mais uma oportunidade. Além do mais queria esclarecer algumas coisas com Magda que, até agora, parecia evitá-la!

Dormira pouco e desejava tomar um banho e descansar assim que chegasse ao apartamento. Se tivesse levado o seu carro há muito que teria regressado mas estava dependente de Pedro Dias pois desta vez, seria com ele que toda a gente regressaria.

Depois de mais alguns impasses tudo se parecia consumar para que saíssem de vez e Lena apressou-se a ser das primeiras. Sérgio seguia os seus passos com o olhar e no último minuto acabou por inventar outro estorvo dissimulado, lembrando-se que ainda não tinha mostrado a Pedro a “mota de água” que tinha na garagem! Por lá se demoraram com a conivência das meninas, excepto Mónica e Lena que não acompanharam a comitiva e ficaram a trocar impressões com a D. Eunice.

Finalmente Pedro carregou no comando automático da carrinha e as portas abriram-se para alojar os passageiros.

Quando Lena se viu em sossego dentro do veículo, desejou nunca ter feito aquela visita.

Pedro ao volante e Sérgio com a cabeça ainda debruçada para dentro do carro, procurava agendar novo encontro: hoje, amanhã, Domingo!

A rapariga recusava-se a assimilar. Sentia-se exausta, esgotada, desesperada!

Foi Mónica quem colocou um ponto final naquele marasmo.

-Depois agendamos Stor. Eu estou mesmo muita pressa pois tenho um compromisso às três da tarde.

-Certamente… - Desculpou-se Sérgio. – Sei onde vos encontrar!

-É isso mesmo prof. lá o esperamos. – Confirmou Pedro dias, colocando a carrinha em andamento.

Finalmente puderam seguir viagem.

 

Chegados a casa, cada um fez o que bem entendeu e Maria Madalena, depois de tomar um banho relaxante, vestiu uma T-shirt fresca e deitou-se. Não deixou primeiro de avisar os amigos que não almoçaria e que a deixassem dormir até ela querer! Para tal cerrou todos os estores, deixando o quarto na penumbra.

Ninguém a incomodou e já a tarde ia adiantada quando começou a dar sinais de si. Na espaçosa suite onde se acomodava com Mónica e Magda, tudo se mantinha numa quietude perfeita. Maria Madalena acordava a pouco e pouco, esfregando os olhos, bocejando e sacudindo a preguiça com movimentados esticões de braços e pernas. Mais uma volta, uma reviravolta e num desses impulsos, sentiu os seus pés tocarem em algo ou alguém que ocupava com ela parte da cama.

-Mónica…, Magda…- Chamou.

Não obteve resposta mas um riso divertido chegou aos seus ouvidos.

A rapariga não deixou de se sentir incomodada e sentou-se imediatamente na cama. Na impossibilidade de vislumbrar fosse o que fosse devido à penumbra do quarto, estendeu a mão disposta a acender a luz. Antes que o conseguisse fazer, sentiu o aperto de uma outra mão, cativar a sua!

Não foi uma pressão incómoda mas sim um doce contacto. Sempre que um único poro da sua pele tinha o privilégio de ser assim acariciado, todo o seu corpo reagia com gratidão. A rapariga estendeu a outra mão e encontrou a maciez dos cabelos e os traços familiares do rosto. Procurou os olhos e tocou-os levemente, depois a face e por fim os lábios. O rapaz beijou-lhe as pontas dos dedos com suavidade e foi deixando a sua mão subir lentamente pelo braço desnudado da rapariga, até a entrelaçar na suavidade dos seus longos cabelos.

-Miguel! Só pode ser um sonho. – Sussurrou Lena, encostando o seu rosto ao dele.

Miguel soltou um riso abafado e depois beliscou com ternura a rapariga.

Esta fingiu um momento de dor e soltou um gritinho sufocado.

-Então já me sentes em carne e osso? – Disse-lhe ao ouvido.

-Nãaaoo. – Brincou Maria Madalena.

-E assim? – Questionou Miguel, enquanto a puxava para junto de si e a estreitava nos braços.

-Também não! – Voltou a reinar a rapariga.

-E assim?

Miguel procurou-lhe os lábios e beijou-os com ternura.

-Pouco… muito pouco. – Conseguiu a rapariga dizer quando o rapaz abrandou a pressão.

-E assim?

Miguel encostou-a sobre a cama e pressionou o seu corpo sobre o dela.

-Assim…Sim! – Confirmou a rapariga num misto de diversão e incontrolado deleite.

-Então…já que mesmo na penumbra total, a minha soberana rainha me reconheceu. Queira dar-me agora o prazer de ver brilharem os seus olhos. – Foi proferindo Miguel, enquanto o seu corpo jovem, sob as roupas de Verão, se desligava aos poucos do físico da rapariga.

Maria Madalena perdeu o contacto com Miguel e receou que ele desaparecesse tal como tinha surgido.

O rapaz abriu os estores das janelas e a claridade inundou o quarto.

-Ó minha preguiçosa…se dormes tanto de dia é porque te passeias de noite!

Maria Madalena nem queria recordar a noite anterior tão cheia de contrariedades. O que lhe interessava agora era aquela graciosa visão. Miguel em todo o seu esplendor, pois a luz viva do sol que entrava agora pela janela fazia irradiar a figura jovem do rapaz, reflectindo nos seus cabelos alourados e aumentando o brilho cintilante dos seus grandes e amendoados olhos castanhos.

Miguel encaminhou-se de novo para a cama e segurando num dos pés de Lena, puxou-a com cuidado para fora do leito.

A rapariga divertiu-se com a determinação do rapaz em a expulsar da cama e decidiu-se a pôr a moleza de lado.

-Veste-te que vamos sair. Esqueces-te que tenho que recuperar o tempo perdido. – Disse o rapaz com simpatia.

-E onde vamos? – Perguntou Maria Madalena, enquanto se dirigia para o roupeiro do quarto em busca de algo para vestir.

-A qualquer lado. Que me importa. Estou de férias. Livre que nem um passarinho. Quero mais é aproveitar. – Respondeu Miguel com entusiasmo.

-Assim mesmo Miguel…assim é que eu te adoro.

-Adoras mesmo? – O rapaz questionou, mesmo junto ao ouvido de Lena.

-Sim! – Respondeu a rapariga em jeito de desafio.

-Muito! – Miguel sussurrou-lhe de modo sensual.

A rapariga voltou o rosto e ficaram de frente. Olhos nos olhos. Tão perto, tão seguros, tão maravilhados.

-Já…-Ordenou Miguel, quebrando a envolvência e dando-lhe uma leve pancadinha no traseiro.

-Menino! Está muito ousado? – A rapariga fingiu desagrado.

-Ó majestade…longe de mim faltar-lhe ao respeito. Apenas desejo que vossa senhoria mexa esse rabo, que estou impaciente.

-Mas que horas são? – Comentou Lena em jeito de pergunta.

-Muito perto das 19.00 horas e eu hoje tenho direito a assistir a um espectacular e deslumbrante pôr-do-sol na praia!

Maria Madalena recordou-se do inoportuno convite para um passeio ao entardecer!

-A sós…uma excelente experiência para relaxares e deleitares-te com a quietude e a beleza do momento. – Fantasiou Maria Madalena.

-A sós? – O rapaz mostrou um trejeito de descontentamento. – Quem disse tal? A quietude do meu espírito, a mansidão do meu corpo e a plenitude do meu ser passa por ti, pela nossa partilha.

A rapariga sorriu enquanto se dirigia à sala de banho privativa que a suite possuía.

-Vou vestir-me.

-Vou contigo… meu olhar reclama-te. – Galhofou o rapaz, enquanto dava um salto e ficava junto à porta da sala de banho.

-Se quiseres dispo-me e visto-me… aqui mesmo! - Desafiou Lena, olhando-o com malícia.

Miguel fixou-a no fundo dos olhos.

-Minha cruel Rainha…não me tente!

E a rapariga aparentou que levantava a T-Shirt com que dormira.

-Calma…não cries uma situação que eu não possa inverter! – O rapaz, embora divertido não deixava de aparentar um certo tremor.

-Tens medo de cair em tentação? – A rapariga tornava-se ousada, rodeando com os seus braços o pescoço do jovem.

Miguel retirou-lhe os braços com meiguice.

-Ó mulheres…levam eternidades a prepararem-se. Olha para mim T-Shirt prática e calções de banho.

-Vou já…azucrinador!

-Rápido! Vamos…aguardo-te lá em baixo.

-Miguel…-Chamou a rapariga. – Espera por mim aqui. Quero ter a certeza de que estás por perto.

-Lenita…estou em cima de ti! Poupa-me. – Brincou o rapaz.

-Como estás? Se nem um dedinho encostas em mim. – Divertiu-se a rapariga.

-Ai encosto, encosto…e daqui a pouco é a palma da mão bem assente!

Maria Madalena soltou uma gargalhada e entrou na casa de banho.

Miguel deambulou pelo quarto, até se sentar sobre a cama que Maria Madalena ocupara. Afagou o lugar com as mãos e mordeu o lábio em sinal de contenção. Depois pousou levemente o rosto sobre a almofada e inspirou profundamente o perfume que dela emanava.

-Miguel…-O som da voz da rapariga, vinda do interior da sala de banho, sobressaltou-o.

-Sim…-Respondeu.

-Como chegaste?

-De autocarro. – Respondeu com desinteresse.

-Mas foi de surpresa!

-Sim e Não…Mónica já estava informada! Falei com ela ontem à noite.

Então Miguel sabia que tinham estado na casa do Professor. – Reflectiu Maria Madalena. Mesmo assim queria certificar-se.

A rapariga já preparada encontrou Miguel junto à janela.

-A que horas contactas-te a Mónica? – Inquiriu Maria Madalena.

-Já era tarde. Foi quando me resolvi a vir! E consegui ter as questões todas resolvidas. – Respondeu o rapaz, olhando pela vidraça.

-E o teu pai está melhor?

-Já saiu do hospital mas ainda se encontra em convalescença! – Informou Miguel.

-E os teus irmãos?

-Ficaram lá. Não nos devemos ausentar todos. – Acrescentou o rapaz voltando-se para ela. – Estás pronta?

-Sim.

-Estás um encanto. – Garantiu Miguel.

-Vou dar uma voltinha, para apreciares melhor. – Rodopiou Maria Madalena, vestindo uns calções curtos de ganga e uma graciosa blusa branca de alças.

-Muitas não… que me dás a volta à cabeça. – Sorriu o jovem, semicerrando os olhos.

-Ficas tonto? – Sorriu também a rapariga com malícia.

-Já sou! – Miguel abanou a cabeça a confirmar.

-Sim és um tonto…adorável. – Disse a rapariga, pegando na bolsa e apanhando a mão que o rapaz lhe estendia da porta do quarto.

 

 

Atalaia 4 - [capitulo 11]

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Depois de um almoço animado na pizaria, o professor despediu-se e o grupo regressou a casa pois tinham abusado um pouco da sangria fresca e os corpos, afectados pela bebida e pelo calor, reclamavam estender-se em espaço fresco. Alguns dormiram profundamente e outros apenas dormitaram.

Pela tardinha já estavam preparados, aguardando a chegada de Sérgio, que tinha combinado vir buscá-los para que o seguissem até à casa.

Pedro Dias estava pronto para levar a carrinha e começava a estranhar a insistência de Lena que, por várias vezes, já lhe pedira para ter lugar garantido no seu carro. Perto das 19.00 horas o professor apareceu ao volante do seu jeep metalizado e Lena procurou esquivar-se atrás dos companheiros. Sérgio, muito cortês, deu os dois lugares de trás à Sara e à Adília, reservando o lugar ao lado do condutor. Depois acercou-se de Magda, pegou-lhe na mão e com reverência, perguntou:

-Gentil menina dá-me o prazer da sua companhia?

-Claro que sim. – Respondeu Magda, perfeitamente rendida ao charme do professor.

-Então faça o favor de ocupar lugar de destaque.

O homem abriu a porta e aguardou que a rapariga se sentasse. Depois rodeou o carro e sem fixar ninguém em particular, perguntou se estavam prontos a partir. Pedro Dias respondeu, confirmando que sim com a cabeça, enquanto Lena e Mónica se instalavam, uma atrás e outra ao lado do condutor.

Enquanto seguiam o jeep do Professor, Maria Madalena interrogava-se mentalmente sobre as atitudes de Sérgio. Parecia-lhe agora desinteressado da sua pessoa e esse comportamento embora lhe agradasse, não deixava de lhe causar uma certa perplexidade.

A viagem foi curta. Lena no entanto, sozinha no banco de trás da carrinha de Pedro e absorta nos seus pensamentos, achou-a aborrecida e prolongada. Quando chegaram à casa, uma vivenda bastante espaçosa e muito moderna, uma senhora de meia-idade veio recebê-los. Sérgio apresentou-a:

-A minha governanta, D. Eunice, ficou para servir o jantar.

-Muito prazer. – Responderam quase em coro.

Entraram e puseram-se à vontade. Lena reconheceu em cada canto o gosto refinado de Sérgio, vendo na decoração da casa muitas semelhanças com o apartamento que frequentara em Évora. Depois procurou o homem com o olhar. Este andava atarefado dando indicações a D. Eunice para servir alguns aperitivos antes do jantar ao mesmo tempo que abria uma garrafa de vinho.

A noite surgia amena e na varanda central da vivenda uma mesa redonda expunha alguns copos, um balde de gelo e várias garrafas de bebida. Algumas meninas serviram-se de “Martini”com limão e hortelã mas Pedro Dias e o professor experimentaram o vinho branco, bem fresco. Magda muito animada, não deixava de rodear os dois elementos masculinos e bebia com eles uma taça de vinho que o professor lhe oferecera. Maria Madalena não resistia a observá-la e deitou-lhe, em certo momento, um olhar de soslaio.

A rapariga não se desarmou:

-Muito obrigado pela excelente companhia, cavalheiro. – Agradeceu. Depois, em tom de gracejo, acrescentou: - Minha prima observa-me… parece preocupada com o meu beber.

Sérgio fixou Lena e com ar de troça, respondeu:

-Nada tem a temer. Se ficar alegre pode rir. Se ficar tonta pode amparar-se. Se tiver sono pode dormir que eu ofereço-lhe até…uma cómoda cama!

Magda soltou uma risada.

-Seria extremamente agradável poder pernoitar em vossa casa.

Com esta intervenção até Pedro Dias se mostrou admirado.

-Menina Magda, em cinco noites que tenho o prazer da sua companhia, nunca lhe vi tamanha disponibilidade…

-Porque não soube agradar-me…-Retorquiu Magda com picardia.

O professor veio reforçar o gracejo de Magda.

-Sabe como é…jovens inexperientes! Para tudo se quer um homem…

-Professor tenha dó de mim. Seria impensável a um homem só, agradar ao mesmo tempo, a cinco belíssimas mulheres.

-Poderá ser uma tarefa inglória, no entanto, muito prazenteira. – O homem piscou o olho ao jovem Pedro e os dois riram com cumplicidade.

Lena e Mónica tinham ocupado um canapé de verga com almofadas coloridas e bebericavam uma limonada.

-A tua priminha está encantada com o prof… – Comentou Mónica em surdina para depois acrescentar entre dentes: - deve ser mal de família.

Lena encolheu os ombros em sinal de desinteresse. Estava decidida a ignorar a estratégia de Sérgio. Se ele pensava que fazer a corte a Magda a incomodava, estava redondamente enganado.

D. Eunice veio avisar que o jantar podia ser servido e Sérgio pediu aos convidados que ocupassem lugar na sala de refeições. A mesa estava decorada com toda a elegância mas não houve qualquer formalidade na ocupação dos lugares. Lena e Mónica juntas, Sara e Adília também e Magda entre Sérgio e Pedro Dias. De referenciar que Pedro Dias tinha Adília à sua direita e Sérgio tinha Lena à sua esquerda.

A ementa era requintada e D. Eunice trouxe para a mesa dois tabuleiros quentes, um de bacalhau gratinado e outro de carne estufada. Serviu salada, arroz e batatas fritas. Depois Sérgio agradeceu-lhe e mandou-a retirar-se, porque já estava na hora de regressar a sua casa. Quanto às sobremesas e digestivos, ele mesmo os serviria.

Os convidados teceram elogios aos pratos culinários de D. Eunice e despediram-se da senhora com toda a simpatia.

Enquanto o jantar decorreu, para além de comentários apreciativos sobre gastronomia em geral e sobre certos pratos em particular, o grupo abordou os mais variados temas e as conversas fluíram animadamente. Entre todos não se fazia excepção, quanto a elementos masculinos e femininos ou quanto a alunos e professor. Entendiam-se na perfeição e viviam momentos de plena descontracção.

Lena esqueceu-se que estava em casa de Sérgio e o próprio professor mostrou-se tão à vontade, culto e refinado que a rapariga deu por si a admirá-lo!

Magda embevecida perdia-se em eloquentes elogios ou em olhares demorados e tentadores. O professor não escondia o seu agrado pela atracção que exercia sobre a jovem e alimentava-a, a cada oportunidade.

-Magda sabe que o seu nome… é uma variação e um diminutivo de Madalena.

-Sim… e qual aprecia mais? – Perguntou a rapariga com encantado interesse.

-Sabe… gosto de Magda. – Retrucou Sérgio, enquanto levava, mais uma vez, o copo aos lábios. - Madalena torna-se demasiado extenso e rebuscado. – Acrescentou. E pelo vidro do copo lançou a Lena um olhar irónico.

-Porque Magdalena significa “Cidade das Torres”, certamente um local fechado e inacessível. – Objectou Pedro Dias que acompanhava a conversa.

-Fechado pode ser, porque se há torres, há muralhas mas…inacessível depende da estratégia que se utilizar. Nada é impenetrável, meu caro. – Acrescentou Sérgio, continuando no mesmo tom zombeteiro.

Maria Madalena sabia que aquelas indirectas eram para si e estava a começar a irritar-se por não responder à letra.

-Mas professor…posso certificar-lhe que, lá por o meu nome ser um diminutivo, eu sou uma grande mulher. – Arriscou Magda, em tom de brincadeira.

-Ó Lena, esta tua prima, saiu-nos melhor que a encomenda. – Afiançou Pedro Dias, dirigindo-se a Maria Madalena.

A rapariga sorriu e mostrou a mesma atitude desinteressada.

-Eu conheço quem tenha um nome pleno mas um carácter vazio. Quem seja notável de nome e diminuta de atitude. Quem tenha um nome altivo e uma débil personalidade. – Teceu o professor como se estivesse a apresentar uma tese.

Maria Madalena respirou fundo e Mónica apercebeu-se que o balão estava prestes a rebentar.

-Por essa ordem de ideias, se o significado de Magda é “Torre”, então eu represento a segurança, a solidez e a firmeza; - Evidenciou-se Magda no mesmo tom de gracejo.

-Desculpa se vamos falar de solidez e de firmeza, apresento-me eu: aquele que é firme como uma rocha: Pedro-Pedra, Pedra-Rochedo; - Afiançou Pedro Dias, levantando-se e fazendo uma vénia.

-Outro dia, eu e a Sara, consultámos um livro sobre o significado dos nomes. Adília significava “a de família nobre” e Sara “a princesa”, por isso meus amigos não se metam connosco. – Disse Adília soltando a sua risada.

-Então Mónica falta saber quem és tu? – Perguntou Sara à amiga do lado.

-Não ligo a isso. O que pode significar Mónica? – Lançou a rapariga sem grande expectativa.

-Pois saiba que Mónica é um nome de origem francesa e significa “a conselheira”. – Assegurou o professor.

-E é mesmo. – Confirmou Pedro Dias. - Essa com os conselhos, com a definição de tarefas e com “o tudo certinho e direitinho…” até abusa!

-Vê lá não te caia um dente com as gracinhas. – Ameaçou Mónica.

Maria Madalena olhou a amiga e viu nela, uma “real conselheira”, talvez até uma “guia espiritual”. – Sorriu-se.

-E tu Lena? O que significa o teu nome? – Perguntou Magda desafiante.

-Depende da inteligência que se tem para o analisar. – Respondeu a rapariga secamente.

-Então…vamos fazer um jogo. – Propôs Sérgio. – “Lena”, já todos sabemos que é um diminutivo, portanto, não vale. Mas analisemos Maria. O que propões Pedro?

-A arrependida. – Disse o rapaz, já bastante extrovertido, à conta do vinho branco.

-Boa. Serve na perfeição. - Assegurou o professor, visivelmente satisfeito.

-Mãe de Jesus. – Lançou Sara.

-Ok! – Registou o Professor.

-A Senhora…Nossa Senhora. – Atrapalhou-se Adília.

-Agora a Mónica… qual é o seu palpite? – Perguntou Sérgio com curiosidade.

A rapariga demorou a responder. Depois ditou:

-Não é um palpite, é uma certeza. A eleita!

-Bem, bem, isto está-se a compor. E que dirá Lena sobre o seu primeiro nome? – Sérgio fixou-a intensamente.

-Desculpem que lhes diga mas este é um jogo parvo. – Respondeu a rapariga sem paciência.

-Então Lena! Hoje estás de mau humor…que seca! – Refilou Pedro Dias.

A rapariga respirou fundo e adoptou uma postura de desafio.

-Pois fiquem sabendo e para arrumar a história de uma vez: Maria significa “a mulher que ocupa o primeiro lugar” e Madalena é por integral, não a torre como Magda se intitula, mas sim “a que vive na Torre”. Juntando tudo dá o poderoso nome de Maria Madalena - A Magnífica, aquela que vive na torre e ocupa o primeiro lugar!

Ouviu-se uma gargalhada quase geral. Depois o professor adoptou uma atitude mais séria e alvitrou, olhando-a no fundo dos olhos:

-Mas reconheça…que pode ter também outras conotações.

-Como por exemplo? – Desafiou Maria Madalena.

-A prostituta…-Avançou Pedro Dias, visivelmente descontrolado.

-Estás a ficar bêbado… - Aborreceu-se Mónica.

-É pá…desculpem, mas não é isso que diz na Bíblia.

-Bem…de facto fala-se numa rameira que seguia Jesus. – Acautelou Adília.

-E que foi sua amante…ou coisa assim. -Acrescentou Sara.

-E que depois passou a ser sua mulher…e tudo se resolveu. – Rematou Sérgio com sarcasmo.

Maria Madalena fulminou-o com o olhar.

-Falta apenas indicar uma das facetas mais poderosas de Maria Madalena: a de Santa! – Quis assegurar Mónica com autoridade.

-Sim…podemos terminar o jogo com essa virtude, embora se trate de um privilégio concedido pelo céu e negado pela terra.

-Mas só é canonizado quem dá mostras na terra de virtudes sagradas. – Insistiu Mónica.

-E em que circunstância se atinge o expoente máximo dessas virtudes sagradas? – Continuou Sérgio a gracejar.

-Quando a conduta de alguém as merecer. – Respondeu Mónica com afinco.

-E quem as avalia? – Insistiu o professor.

Lena impaciente, objectou:

-Esquece Mónica, aqui ninguém tem categoria para se santificar.

-É mesmo… não passamos de um bando de demónios! – Balbuciou Pedro Dias.

-Olha fala por ti, ó filho de belzebu…-Disse Adília sacudindo Pedro Dias.

O rapaz desatou a rir sem força no corpo e Sérgio levantou-se com desenvoltura.

-Vou servir as sobremesas. E já que estamos em matéria sagrada: “Barrigas de Freira” e “Toucinho-do-Céu”.

Voltou a eclodir outra risada quase geral. Aqui Lena esboçou um sorriso e Mónica alegrou o semblante.

Sérgio voltou com duas travessas que colocou sobre a mesa e acrescentou:

-Para os que não apreciem doçaria conventual, há no frigorífico, vários sabores de gelado.

-E a água benta, professor? – Quase gritou Pedro Dias.

-Não tenho! – Garantiu Sérgio. – Mas no bar, ao canto da sala, estão os licores mais divinais: “Licor de Mel”, “Licor de Romã”, “Licor de Cacau”, “Frangelico” e o sempre apetecido “Baileys - creme de Whisky”;

-Isso é para as meninas. Eu aprecio sabores mais viris: uma boa aguardente velha, um puro whisky de malte, uma vodka absolut.

-Sim…tudo muito viril e quanto tempo te deixam em pé? – Alertou Adília.

-Toda a noite. Todo de pé e…tudo em pé! – Pedro continuava a doidivar, enquanto se levantava com a intenção de se dirigir ao bar.

Ao desequilíbrio notório de Pedro, Adília obrigou-o a sentar-se. Depois olhou para Mónica e Lena e sussurrou entre dentes:

-Este já não está capaz de conduzir!

-Eu mesma conduzirei a carrinha. – Garantiu Lena.

Entretanto Pedro dava sinais de alguma indisposição e Sérgio interveio, aconselhando-o a deitar-se um pouco no quarto ao lado.

-Não…vale a pena. Já estou fino. Comi demais! Se beber um bom digestivo vai tudo ao lugar. – E o rapaz fez nova tentativa para se dirigir ao bar.

Ao levantar-se, acusou uma certa tonteira, levou as mãos ao estômago e o seu rosto empalideceu.

Sara gritou:

-Cuidado que ele vai vomi…

Sérgio, mesmo atrás, segurou o rapaz e levando-o pelo corredor, encaminhou-o para a casa de banho.

Quando o professor voltou, Lena e Mónica já estavam no meio da sala, preparadas para sair.

-Estamos de saída e levaremos o Pedro connosco. – Justificou-se Maria Madalena.

-Mas ainda é tão cedo. Nem terminámos o jantar! – Rogava o homem com evidente decepção. – Pedro poderá descansar um pouco e em breve estará fino.

-Eu própria estou um pouco indisposta…vamos Mónica? – Decidiu Maria Madalena.

-Não vão ainda. Podíamos terminar a noite a dançar um pouco. – Insistiu Adília.

-Nós não! – Garantiu Lena.

Sara dirigiu-se à sala de banho, ao fundo do corredor e bateu.

-Pedro estás bem.

-Siiiim… - Respondeu o rapaz com uma certa dificuldade. – Vou já.

-A Lena e a Mónica estão à tua espera!

-Para quê? – Ouviu-se balbuciar.

-Para regressarem a casa.

O rapaz já não respondeu mas ao fim de algum tempo apareceu, muito branco, à porta da sala de banho.

-Não consigo manter-me em pé.

-Que te disse eu… meu doido. – Adília chegava para azucrinar.

-Calma…- Disse Sérgio. – Deixem-no descansar.

Adília e o professor encaminharam o rapaz para um quarto nas traseiras e deitaram-no sobre a cama.

As restantes raparigas seguiram-nos.

-Vou fazer um café bem forte. – Disse Sérgio. - É melhor que ele durma cá hoje. Maria Madalena ajude-me!

Lena agiu por impulso e seguiu Sérgio, pelo corredor, até à cozinha.

O homem pegou em duas cápsulas de café e colocou-as na máquina.

-Terá que ser a dobrar! – Riu-se baixinho. – E sem açúcar.

Lena apercebeu-se que não havia tarefas para ela e interrogou Sérgio com o olhar.

-Já viu o meu quarto Lena? – Perguntou o homem lançando-lhe um olhar provocador. Possuí uma espaçosa cama de casal!

Lena voltou costas de imediato e preparou-se para sair da cozinha. Sérgio deu um passo rápido e alcançou-a.

-Porque está tão espantadiça? Desconhece o dono? – Ironizou Sérgio enquanto a segurava pelo pulso.

-Professor… faça o favor de me soltar, ou começo a gritar! – Ameaçou Lena.

O homem deixou de apertar e passou a acariciar o braço despido da rapariga.

-Peço desculpa. – Baixou a vista, como que envergonhado. - A sua beleza atormenta-me…

Lena não disse nada e começou a caminhar. Sérgio seguiu-a com a chávena de café na mão, para sussurrar quando a alcançou:

-Maria Madalena gostaria que me perdoasse e houvesse para nós uma segunda oportunidade…

Magda surgiu ao fundo do corredor.

-Pedro adormeceu como uma pedra. – Disse.

-Então já não tomará o café que Lena preparou com todo o requinte. – Respondeu Sérgio a justificar a demora.

-Minha prima é muito prendada. – Exclamou Magda no mesmo tom zombeteiro que tinha adoptado desde a chegada à casa. – Dará uma excelente dona de casa quando casar com o meu primo!

Lena estava prestes a explodir.

-Mónica está na nossa hora.

-Sim… - Confirmou a amiga.

As raparigas deixaram o quarto dispostas a partirem.

Sérgio voltou em seu alcance:

-Porque não ficam mais um pouco ou melhor, porque não pernoitam todos em minha casa em vez de separar o grupo e correrem o risco de passarem a noite sozinhas no apartamento!

Lena olhou para Mónica. O mais normal seria nenhum dos outros regressar a casa. – Pensou.

Sara e Adília, aproximaram-se e também elas solicitaram às raparigas para ficarem porque a noite ainda mal tinha começado.

-Se ficar não saio. – Disse Mónica, que lá no seu íntimo não lhe agradava fazer a viagem de regresso a Albufeira, só com Lena por companhia e chegadas lá, estacionarem a carrinha no parque e fazerem o resto do trajecto a pé até ao apartamento.

-Eu também não. Além de que hoje me sinto bastante cansada. – Confirmou Lena.

-Então não saiam mas eu e a Sara não queremos perder a oportunidade de conhecer alguns bares na zona da marina! – Garantiu Adília.

Magda aproximou-se e mostrou a sua intenção de as acompanhar.

-Eu mesmo as levarei. Agora vou mostrar a todas as meninas, os quartos que podem ocupar. – Assegurou o professor muito animado. – Façam o favor de subir as escadas ou melhor, desta vez vou ser indelicado e eu mesmo seguirei na frente.

Lena resignou-se. Até porque ela própria, tal como Mónica, estavam aliviadas por não ter de regressar sem companhia.

Ao cimo das escadas, depois de um espaçoso átrio, ficavam três portas que correspondiam a dois quartos e a uma sala de banho. Um deles possuía duas camas individuais e Sérgio indicou-o a Lena e Mónica, o outro mais espaçoso, possuía uma cama de casal e um cómodo sofá e destinou-o às restantes três raparigas.

Mónica e Lena já não desceram e deitaram-se logo depois de ouvirem o jeep de Sérgio arrancar com as três raparigas para explorarem os bares e discotecas de Vilamoura.

No quarto das traseiras, Pedro continuava a ressonar.

Mónica não demorou a adormecer. Maria Madalena, no entanto, teimava em dar voltas na cama a relembrar alguns dos momentos mais fortes da noite. Sentia sobre si o olhar de Sérgio e adivinhava-lhe os desejos, mesmo quando ele insistia em disfarçá-los dispensando atenção a Magda. Não podia negar que tinha ficado sensibilizada quando ele lhe pediu perdão e quase mendigou outra oportunidade. Ver um homem assim, adulto e másculo, subjugando-se à sua atenção não deixava de a empolgar. Mas Sérgio mudava de postura e de vontades muito rapidamente e Lena nunca sabia com o que podia contar! Depois veio-lhe à mente a sua condição de mulher comprometida e a necessidade de zelar pela protecção da sua honra! O melhor era adormecer rapidamente e para tal, ajeitou-se na cama, em busca de uma cómoda posição e fechou os olhos com força.

-Maalta! Ei…maaalta. Onde está toda a gente?

Maria Madalena deu um pulo da cama. Pedro andava à deriva no rés-do-chão, gritando pelo pessoal. Apeou-se e enfiou, às pressas, o vestido e mesmo descalça, saiu do quarto. Fechou a porta com cuidado para garantir o sossego de Mónica até porque Pedro, no rés-do-chão, parecia estar a arrastar os móveis e a partir a louça.

-Estou sozinho! Que diabo…para onde foram todos?

Maria Madalena chegou às escadas e acendeu a luz.

Pedro assustou-se e correu para a lareira da sala, pegando no atiçador:

-Quem está aí…!? – Berrou.

-Calma sou eu…a Lena. – Disse a rapariga enquanto descia as escadas com cuidado.

O rapaz descansou e atirou-se para cima do sofá.

-Oh amiga! Ainda bem que estás aí. Julguei que me tivessem abandonado. - Proferiu o rapaz com desalento.

Lena chegou junto dele e acalmou-o:

-Então não te recordas que bebeste demais e tiveste que descansar mais cedo?

-É…parece que sim. Sinto-me nauseado e com a cabeça à roda.

-Devias regressar à cama e voltar a adormecer. – Disse a rapariga sentando-se junto dele.

-Tive um pesadelo…-Sussurrou o rapaz esfregando os olhos.

-Bebida a mais, meu caro! – Riu-se Lena.

-Foi um estranho pesadelo, com o professor Sérgio…

-Não é de estranhar, estamos em casa dele! – Retorquiu Lena.

-Ele transformava-se num lobo e corria atrás de uma mulher vestida de branco!

Lena não pode deixar de rir com gosto, perante o aspecto assustado de Pedro.

-Pareces um bebé que precisa da mãe. – Disse.

-Só cá estamos nós? – Perguntou Pedro, olhando em várias direcções da casa.

-Eu, tu e Mónica que dorme como uma anjinha no quarto de cima.

-Tenho que beber água. – Referiu Pedro.

-Vai até à cozinha. Anda que eu acompanho-te. – Assegurou Lena.

Atravessaram a sala, seguiram o corredor e entraram na cozinha. Lena abriu o frigorífico e tirou o jarro da água fresca. Encheu o copo e estendeu-o a Pedro.

Quando o rapaz terminou, Lena voltou a aconselhá-lo a deitar-se.

-Acompanhas-me? – Perguntou Pedro, já mais animado.

-Para ver se não há monstros? – Riu-se.

-Sim. Para isso e para me contares uma história antes de adormecer!

-Qual preferes? – Disse Lena a brincar com a situação.

-Uma que tenha raparigas bonitas em poses indecentes! – Respondeu Pedro a doidivar.

-Vejo que já estás a recuperar. Entra e deita-te meu maluco, que eu também quero ir descansar.

-Vou dormir de luz acesa.

-Mariquinhas. – Murmurou Lena com um sorriso enquanto fechava a porta do quarto e regressava, corredor adiante, até à cozinha. Ali, fez um café. Com a chávena na mão veio deambulando até ao hall e entrou na sala. Sentou-se comodamente num dos maples, ligou a TV e bebericou o café com toda a calma. Entreteve-se com o filme que apanhou a meio e quando este terminou, decidiu-se por fim a regressar ao quarto. Foi colocar a chávena no lava-louças e aproveitou para escutar sorrateiramente junto à porta do quarto de Pedro, onde achou tudo muito sossegado. Regressou corredor adiante e viu-se no hall disposta a subir as escadas de acesso ao primeiro andar. Uma grande parte da ala da frente da vivenda era ocupada pela sala de estar e pela sala de refeições que se separavam apenas por um delicado arco. Saindo da sala, um espaçoso hall, fazia a comunicação para as restantes divisões. Para cima estendia-se a bela escadaria de mármore branco e corrimão de madeira polida e sob o seu vão, desenvolvia-se o extenso corredor que dava acesso à parte traseira da habitação onde ficava a cozinha e várias outras dependências, inclusive o quarto que Pedro agora ocupava. Para a sua esquerda uma extraordinária porta envidraçada dava acesso directo a uma pequena saleta de espera que comunicava com a porta de entrada e em frente surgiam, quase lado a lado, duas portas fechadas. Lena olhou-as de soslaio! Tinha a certeza que uma delas era a do quarto de Sérgio e martelavam-lhe na cabeça, as suas palavras: “Já viu o meu quarto Lena. Possuí uma espaçosa cama de casal…!”

O primeiro impulso que sentiu foi afastar-se de imediato, regressar ao quarto, aconchegar-se na cama, fechar os olhos e dormir. Mas a curiosidade, aquele terrível bichinho que nos inquieta e impulsiona! Fixou uma das portas, qual delas deveria experimentar abrir? A da direita ou a da esquerda?

A casa estava agora numa quietude total.

Deitou a mão direita ao puxador da porta da esquerda e rodou.

Sem qualquer ruído o puxador cedeu e a porta abriu-se. A própria claridade do átrio permitiu-lhe lançar um primeiro olhar de relance.

Não se tratava de um quarto mas de uma outra sala de estar. Certamente reservada!

Acendeu a luz e entrou. Todo o espaço estava decorado da mesma forma que o apartamento de Évora. Podia até quase jurar que se tratavam dos mesmos objectos e móveis. Os sofás brancos imaculados, a mesa de vidro, as duas taças de cristal…o castiçal de ferro com oito velas de cheiro! Demasiadas coincidências que deixaram Lena incomodada! Em cada recanto a presença de Sérgio. Fotos do homem em poses formais mas também em apresentações mais descontraídas. Sobre os móveis diversos objectos pessoais e no bengaleiro dois casacos. Na escrivaninha o computador, vários apontamentos e livros. Na parede central uma interessante pintura de uma cena à beira-mar e ao canto direito, uma outra porta. Esta provavelmente estaria encerrada. Experimentou e não estava. Ali sim…era o quarto de Sérgio!

Então o homem dispunha em sua própria casa de uma toca reservada. Curioso!

Entrou. O quarto era extremamente espaçoso, quase tão grande como a sala de estar. Apresentava excelentes móveis de linhas direitas de um cinzento cromado onde, efectivamente, se destacava a extraordinária cama de casal, soberbamente decorada em tons vermelho cereja e preto. Também as cortinas e os tapetes alternavam num e noutro tom. Na zona norte, ocupando um recanto que retirava espaço à saleta, desenvolvia-se uma elegante casa de banho, onde a banheira redonda de hidromassagens era uma verdadeira preciosidade.

Maria Madalena deambulou pelo espaço. Alguns objectos de muito bom gosto adornavam uma espaçosa cómoda. Abriu a primeira gaveta e deparou-se com uma colecção de gravatas, alguns lenços e cachecóis. Noutra, roupa interior e meias. Depois T-Shirts e calções. Espiou então o amplo roupeiro. Várias camisas, calças e casacos, encontravam-se lá, esmeradamente arrumados. Passou então o olhar de relance sobre a restante área, móveis e objectos do quarto. Sobre as duas mesas-de-cabeceira, dois candeeiros iguais e na da esquerda mais uma foto de Sérgio esboçando um sorriso trocista. Junto dela expunha-se também um gracioso guarda-jóias. Lena deu alguns passos, pegou-lhe e abriu-o.

Sobre minúscula almofada de veludo vermelho cereja, debruada a preto, brilhou o malfadado anel de noivado!

A rapariga transtornou-se e sentiu uma violenta ira. Cerrou com brutalidade o pequeno guarda-jóias atirando-o para o mesmo lugar. Fixou o sorriso trocista de Sérgio e fez tombar com fúria a sua foto sobre a mesa. Depois respirou fundo, acalmou e deu alguns passos em marcha atrás…

Os braços fortes de Sérgio rodearam-lhe a cintura, apertando-a contra ele. O rosto do homem inclinou-se e os seus lábios quentes beijaram-lhe o pescoço.

-Eu sabia que a encontraria aqui…-sussurrou mesmo junto à sua orelha esquerda.

O primeiro impulso, passado o sobressalto, foi empurrar o corpo do homem e libertar-se da prisão dos seus braços.

-Calma… - aconselhou o homem, enquanto ele próprio aliviava a pressão. – Nada farei contra a sua vontade. - Rodou-lhe o corpo e fixou-a de frente. O seu olhar de adoração invadiu-a até ao mais íntimo do seu ser. A rapariga sentiu-se aconchegada!

O homem aproveitou a abertura e voltou a estreitar o abraço, colando-se novamente a ela.

Maria Madalena sabia que um beijo de Sérgio estava eminente por isso baixou o rosto quanto pode, de forma a evitá-lo. O homem desiludido afrouxou o impulso e afastou-a:

-Está livre! – Disse com uma certa ironia. – Longe de mim mendigar amores.

A rapariga permaneceu calada. O homem inspeccionou o quarto e dirigiu-se à mesa-de-cabeceira:

-Vejo que teve oportunidade de encontrar o que é seu. Só se acha o que se procura! O mesmo fez você comigo. Ofereceu-se e agora nega-se!

Sérgio falava num tom calmo e mostrava um semblante sereno. Esboçava até um ligeiro sorriso de cordialidade.

Lena sentiu-se um pouco mais à vontade.

-Bebemos qualquer coisa? – Perguntou o homem, enquanto mostrava interesse em passar à saleta contígua.

A rapariga fez um gesto de consentimento e seguiu-o.

O homem procurou num “mini-Frigor”, uma garrafa de espumante e abriu-a. Depois encheu as duas taças que se encontravam sobre a mesa, entregando uma à rapariga.

-E as meninas? – Perguntou Lena, enquanto experimentava o espumante.

-Ficaram bem entregues. – O homem respondeu, sentando-se de frente para ela.

Maria Madalena preferia que Sérgio não a fixasse tão intensamente.

-Porque voltou? – Inquiriu a rapariga, sem olhar directamente para ele.

-Senti saudades.

Lena esboçou um sorriso e Sérgio levantou-se devagar, aproximando-se dela.

-Posso? – Perguntou, indicando o lugar vazio.

Lena não respondeu mas aconchegou-se mais no sofá branco de dois lugares.

O homem atirou o seu corpo másculo, primorosamente vestido, sobre a fofura do assento. Em breves segundos, rodeou os ombros da rapariga com o seu braço e os dedos grandes e macios começaram a acariciar-lhe o pele desnudada.

Maria Madalena sabia que Sérgio continuava a seduzi-la e tinha que ficar alerta para que não cedesse.

O rosto de Sérgio aproximou-se do dela e os seus lábios pousaram, ao de leve, sobre os seus cabelos.

-Cheira divinamente. – Sussurrou o homem.

Lena contraiu-se e mostrou-se incomodada. Sérgio já se encontrava novamente, demasiado perto.

O homem apercebeu-se e mais uma vez, afastou-se ligeiramente. Depois pegou-lhe na mão e beijou-a suavemente:

-Lena…queres namorar comigo?

A rapariga não pode deixar de o fixar frontalmente:

-Que diz? – Perguntou, surpresa.

-Que deveríamos começar tudo de novo. Sem precipitações, sem confusões, sem imposições. Apenas namorar, cortejar, embevecermo-nos…

Lena riu-se interiormente, para depois abanar a cabeça e responder:

-Julgo ser, demasiado tarde, já nos conhecemos muito bem.

-Ainda posso surpreendê-la!

-Em surpreender-me é o Sérgio… um mestre!

-Surpresas muito boas, garanto-lhe.

-Tais como…Anéis de Noivado?

-Juro-lhe que só quando a minha dama o quiser…

A rapariga fez um movimento de descrédito e colocou-se em pé.

-Demasiado tarde…as horas, digo!

O homem olhou o relógio.

-Fiquei de ir buscar as meninas às 3 da manhã…tenho ainda todo o tempo do mundo.

-Eu vou ver da Mónica. Pode acordar e estranhar a minha ausência.

-E tem receio que ela saiba?

-Ela sabe! – Garantiu a rapariga.

-Então só falta a sua bênção…eu mesmo cuidarei disso.

-É a minha vontade que conta, não o seu interesse nem o aval dos outros.

-E os seus desejos, quais são?

-Em relação ao senhor não tenho quaisquer anseios, como já o informei a minha vida real vai para além desta ilusão.

-É boa a sua vida real? – Perguntou o homem com uma certa ironia.

-Contento-me.

-Lamento constatar a sua fraqueza!

-Fragilidade é uma característica que combato muito bem…sou dura de roer!

-O que a torna ainda mais atraente. Tudo em si me desperta loucura!

-Então controle-se o senhor, pois denota fraqueza em relação a mim.

-E que me importa. Para a ter, serei capaz de me rastejar aos seus pés, arrastar-me na lama, comer o pó dos caminhos…

-Não será necessário. – Garantiu Lena, enquanto se encaminhava para a saída.

O homem nada fez para a impedir mas a sua voz soou rouca e sensual.

-Faltam cinco para a meia-noite…dou-lhe esses 300 segundos!

-Lena soltou uma risada abafada e abriu a porta.

-Adeus professor. Eu e você… não temos retorno!

-Saberei esperar! – Disse-lhe o homem com sensualidade.

A rapariga nem se dignou a olhar para trás. Fechou a porta com segurança e viu-se no hall, disposta a subir as escadas.

Não sabia porquê mas invadiu-a um certo sentimento de perca. Não demoraria que o homem a esquecesse e dirigisse a sua atenção para outra qualquer mulher. Daquela relação apenas ficaria a doçura de alguns momentos e a contrariedade de muitos outros. Mesmo assim não sabia se o saldo era positivo ou negativo. Numa outra situação não abandonaria a envolvência de Sérgio, deixar-se-ia adular, idolatrar e permaneceria. Agora era preferível não cair em tentação e seguir pela direita razão.

Quando se preparava para subir as escadas, estranhou sobre o móvel que adornava a parede que ficava entre as duas portas, um gracioso ramo de flores, de espécies, cores e perfumes variados. Encostado ao bouquet, um pequeno envelope com o seu nome escrito.

Mais um truque de Sérgio. - Pensou.

Abriu-o com um ligeiro sorriso nos lábios:

Perdão… sou um homem. Confundo amor com prazer! Juro redimir-me. Guie-me, ensine-me, leve-me por bons caminhos.

Peço só mais uma oportunidade e vai ver que não se arrependerá. Sou um homem novo, nada lhe exigirei que não queira dar, nada lhe imporei que não deseje, nada lhe ordenarei que a contrarie. Venha, fique, ame-me…”

Lena retrocedeu, iria agradecer as flores e mais uma vez garantir a sua indisponibilidade. Experimentou então a porta da direita! Já agora gostaria de ser ela a surpreender Sérgio. Rodou o puxador e este cedeu. Tentou então empurrar a porta com cautela. Pressionou-se sobre ela mas esta não deu de si. Cerrada, vedada, inacessível, era como se encontrava. Voltou à porta anterior. Abriu-a, flanqueou-a e ficou na saleta. Sérgio não se encontrava onde o tinha deixado e a porta do quarto encontrava-se fechada. A rapariga deu alguns passos, rodou o puxador e a porta abriu-se.

Sérgio, qual estátua grega, mostrava na sua nudez total a exuberância da sua virilidade! Sobre o leito mesclado de grená e preto, o corpo másculo do homem predominava. Pendente dos seus longos dedos, oferecia-lhe um finíssimo conjunto de langerie, feminino, branco suave!

Maria Madalena viu-se na toca do lobo. Um lobo sofisticado, sem qualquer dúvida, mas não deixava de ser um predador.

Ao movimento de retrocesso da rapariga o homem saltou do leito e precipitou-se sobre ela!

-Terminou o tempo. – Disse. Segurando-a violentamente num dos braços.

 

 

Atalaia 4 - [capitulo 10]

 

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À primeira vista, o cordão pareceu-lhe o seu. Tinha o mesmo Anjo Guerreiro esculpido na medalha, porém no reverso as palavras eram-lhe estranhas “Quem Como Deus, Gemelar Germanitate”. Abanou a cabeça contrariada e seguiu com o olhar o trajecto que o autocarro tinha tomado. Mais uma vez sentia que Mónica lhe escondia coisas! Quis agradecer à menina loura mas já não a viu. Segurou o cordão sem convicção e deixou que a medalha caísse pendurada. Esteve quase a lançá-lo ao ar para que voltasse à sua origem, porém, atirou-o para dentro do “porta-luvas” do carro e regressou a casa.

 

Magda abordou-a sorrateiramente, lançando o pedido:

-Lena será que há lugar para mais uma?

Maria Madalena estava distraída com a televisão, estendida sobre o sofá da sala e Magda já se encontrava em sua casa há um bom bocado sob o pretexto de lhe apetecer conversar.

-Onde? – Perguntou Lena completamente alheada, enquanto seguia com interesse o desenrolar do filme.

-Na viagem ao Algarve.

Lena ficou apreensiva. Certamente a sua mãe ou a pequena Vera já tinham abordado diante de Magda as previstas férias no Algarve.

-Vou para casa de uma amiga. – Apressou-se a confirmar.

-Sim, mas também a mim me apetece sair da aldeia e eu poderia pagar…

-Sabes Magda é um pouco embaraçoso, porque vãos os pais da Mónica, provavelmente o irmão, eu e ela, parece-me já bastante gente!

Magda esboçou um sorriso a contragosto.

-Tudo bem, eu compreendo. Só perguntei porque ontem falei com o Paulo e casualmente ele perguntou-me se eu, este Verão, ia à praia. Respondi-lhe que se tivesse oportunidade iria contigo.

Lena engoliu em seco e percebeu a ameaça, ainda que disfarçada. Não abordara o assunto com Paulo mas não demoraria que o noivo a questionasse.

-Bem…poderíamos combinar ir com outros colegas, alugar um apartamento e…dizer que ficávamos em casa dos pais da Mónica. – Lena cautelosa lá ia compondo o assunto.

Magda ficou entusiasmada.

-Sim, claro que sim.

-Bem…será um segredo nosso.

Magda abanou a cabeça satisfeita.

Faltavam três dias para partir rumo ao Algarve. Como ficara combinado, encontrar-se-ia com o grupo em Portel. Pedro Dias levava a carrinha de nove lugares do pai, ela prontificara-se a levar o seu carro. Havia portanto lugar para Magda e, pensando bem, levando a prima do noivo, diminuíam as desconfianças e amenizavam-se os atritos.

-Eu trato de tudo. Sábado é o dia da partida. – Informou Lena, resignada.

-Estarei pronta! – Confirmou Magda aos saltinhos.

Nessa mesma tarde recebeu um telefonema de Mónica. Queria a rapariga acertar pormenores da viagem:

-Lenita, então está tudo certo?

-Sim, tudo certo. Está tudo previsto para sair daqui Sábado às sete da manhã e encontrar-me convosco meia hora mais tarde em Portel. Convém não fazer a viagem pelas horas do calor.

-Sim…olha, para não ires sozinha, eu passo para o teu carro. – Sugeriu Mónica.

-Bem…sabes a minha amiga Magda e prima do Paulo, mostrou muito interesse em acompanhar-nos por isso achei melhor convidá-la.

-Sem problema. – Respondeu Mónica. – Mas mesmo assim eu irei contigo…

-Ok! E a restante malta vai toda.

-Toda.

-Então beijos. Até Sábado.

-Até Sábado.

Saiu pouco depois e tomou a direcção da casa nova. Avisara-a uma vizinha que desde a noite passada ficara acesa a luz do quintal. Efectivamente tinha-se deslocado à casa na tarde anterior para assistir ao descarregar da mobília do quarto, aquela tão famosa, escolhida peça a peça. Quando a viu toda montada, sentiu um aperto no peito. Era esta a sua verdadeira condição. Deitar-se em leito escolhido. Sua mãe porém elogiou o bom gosto, a madeira trabalhada, os grandes espelhos e avisou a filha para não colocar qualquer adereço de decoração, porque o quarto de uma noiva é como o vestido, surpresa!

Contornou a rua e preparou-se para atravessar, olhando nos dois sentidos. Ao fundo, à esquerda, um veículo potente, de vidros esfumados e cromados brilhantes, desaparecia.

Maria Madalena viu dançar-lhe nos olhos a figura de Sérgio! Quem mais tinha um jeep novo e rondava-lhe a casa? “Meu Deus..,” pensou. “Um dia deparo-me com o inevitável!”. Correu, abriu a porta e entrou. Foi de fio ao interruptor da luz do quintal, desligou-o e saiu. Dava-lhe arrepios andar por ali sozinha. Sentia em cada espaço a presença de Paulo, via em cada canto acoitada a figura de Sérgio e o cheiro quente e abafado das tintas e das madeiras novas, sufocava-a.

Estava uma tarde amena, o sol tórrido ia-se escondendo e um passeio a pé sabia-lhe bem. Não voltaria pela mesma rua, nem tomaria a direcção por onde lhe parecera ver desaparecer o jeep novo de Sérgio. Evitaria a todo o custo deparar-se com ele, por isso subiu a rua e tomou caminho pela travessa da nora velha onde se localizava a adega vinícola da aldeia. Saudou o mestre Torres, antigo trabalhador, que estava sentado, como habitualmente, no banco de pedra a matar saudades e este perguntou-lhe pelo “Paulinho”.

-Está bom, obrigado. – Respondeu, sem abrandar o passo, disposta a evitar mais pormenores.

O grande portão da adega estava escancarado e vinha do casarão um ar fresco com odor a tijolo antigo e a taipa húmida que Maria Madalena inspirou com agrado fechando os olhos por breves momentos.

Um latido assustado, assustou-a também. Era uma bolinha de neve naquele entardecer tão quente. À pressa o dono do animal, abandonava a adega, carregado de caixas de vinho. Não demorou a reconhecê-lo mas o homem cruzou-se com ela parecendo nem a ver, enquanto exigia que o cão não se afastasse.

Maria Madalena não quis evitar:

-Rex…fofinho, estás bem? – E o animal abanou a cauda e foi-se aproximando da rapariga.

O homem olhou então na direcção de Lena. Os seus olhos verdes, à luz do dia, pareciam agora translúcidos e o seu rosto claro denotava uma certa palidez. Também as mãos tremiam um pouco, enquanto seguravam as caixas do vinho.

Lena voltou a sentir aquela estranha sensação de ameaça mas relevou-a de imediato para ser simpática.

-Boa-tarde senhor, então o cãozinho recuperou bem? – Perguntou com um sorriso.

O homem manteve-se estático, enquanto parecia vasculhar na sua memória quem era a jovem com que se deparava. Depois, pareceu fazer-se luz e ele exclamou:

-Ah! Menina…parece que o Rex não ficou melindrado.

Maria Madalena debruçou-se e apanhou o animal, aninhando-o no colo.

-És tão fofinho, desculpa se naquela noite te magoei…

Os olhos do cachorrinho fitavam a rapariga com meiguice.

-É muito mariquinhas gosta muito de mimos. – Disse o homem que continuava estático, enquanto Maria Madalena avançava para ele.

-Fico contente por saber que ele está bem e que o senhor já me perdoou aquela distracção.

-Já passou. Tudo bem. Então… habita por estas bandas? – Perguntou o engenheiro.

-Aqui mesmo na aldeia. – Confirmou a rapariga.

-É uma bela terra. Mas…naquela noite a menina parecia desterrada!

Lena baixou os olhos e sussurrou envergonhada.

-Perdi-me!

-Aconselho a quem não conhece que não se aventure. Pode tomar caminhos estranhos e ter encontros desagradáveis. – Agora o engenheiro esboçava um sorriso, mostrando-se mais à vontade.

Maria Madalena sorriu também.

-E o senhor de onde apareceu? Também andava perdido?

-Pode-se dizer que sim. – Depois com um certo azedume. – Há muito tempo que não encontro o meu rumo.

Maria Madalena ficou curiosa.

-Um dia, poderemos confessar-nos.

-Um dia…quando se voltar a perder! – Respondeu o homem enigmaticamente.

-Mas se eu o quiser ver, posso procurá-lo por lá?

-De forma alguma. Estou apenas de passagem!

A rapariga colocou com cuidado o cão no chão. Depois estendeu a mão.

-Então até à próxima.

-Como disse que se chamava? – Perguntou ainda o engenheiro.

O turbilhão de emoções que envolveu Maria Madalena não tinha qualquer razão aparente mas um nome martelava na sua cabeça:

-Isabel…

O homem engoliu em seco, agitou-se e recuou ligeiramente.

-Perdão mas tenho as mãos muito ocupadas.

Maria Madalena voltou a sentir uma certa animosidade, encolheu a mão e resignou-se.

O homem chamou o cão.

-Até um dia…- Disse num sufoco.

Cada um seguiu em caminho contrário e Lena sentiu-se aliviada.

Mestre Torres resmungou:

-Este diabo é esquisito…

Maria Madalena voltou a cabeça para trás e viu o velho fazer o sinal da cruz.

 

Sábado amanheceu radioso. Lena dirigiu-se primeiro à casa de Magda, onde apanhou a rapariga e as suas bagagens e depois voltou a casa para recolher os seus pertences. Foi, em surdina, dar um beijo à irmã Vera que ainda dormia profundamente. Despediu-se da mãe sem grandes demoras e encaminhou-se para o automóvel.

Maria Manuela fitou a filha com apreensão e não resistiu a lançar-lhe um aviso:

-Lena tem cuidado. Honra a família e respeita a tua condição de moça casadoira.

Maria Madalena estancou no trajecto e voltou-se na direcção da mãe:

-Mãe já reparou que levo cão de guarda.

Maria Manuela sentiu-se envergonhada por perceber que a filha se referia a Magda e aconselhou-a a moderar as palavras.

A rapariga soltou uma sonora gargalhada:

-Deixe estar que rezo todas as noites: “Anjo da guarda minha companhia, guardai a minha alma de noite e de dia”

A mãe voltou a desaprovar tal blasfémia:

-Minha filha, brincas com a vida.

-Não faz mal mãe, ela também brinca comigo…adeus.

-Vai com Deus. – Sussurrou a mulher.

A viagem até Portel foi rápida e o carro de Lena chegou antes da carrinha dos amigos, estacionando no “posto Galp”, onde tinham combinado aguardar.

Tomaram um café e compraram “chiclets”. Magda estava muito bem-disposta e olhava Lena com fascinação.

-Ainda não acredito que sempre vamos.

-Vamos pois…-Afirmou Lena.

-Quem são os teus amigos que nos acompanham?

-Então…é a Mónica, que conheces-te outro dia.

-Sim.

-Mais duas colegas da casa: a Sara e a Adília e o Pedro Dias…

-É giro? – Perguntou Magda com um sorriso travesso.

-Não é nada mau! – Respondeu Lena, para depois continuar. – E vão ainda três gémeos.

-Três gémeos?! – Admirou-se Magda.

-Sim, três gémeos encantadores.

-Já estou curiosa. Como se chamam?

-Três “el(s)”: Gabriel, Rafael e Miguel que é o meu favorito.

Magda retraiu-se um pouco e Lena apressou-se a tirar-lhe as dúvidas:

-Miguel é meu colega de curso e é uma pessoa muito sensata. Tu própria terás oportunidade de comprovar que trata as meninas com toda a delicadeza e respeito.

-Longe de mim imaginar coisas. – Acertou Magda.

-Nem inventar…- Maria Madalena lançou o aviso e Magda recebeu-o um tanto envergonhada.

A entrada de uma carrinha azul metalizada, anunciou a chegada do grupo.

Lena levantou-se num ápice e correu para o veículo. Mónica abriu a porta ao lado do condutor e saiu ao seu encontro:

-Lenita, beijinhos. Nós também nos vamos apear porque as meninas estão aflitas para fazer “xixi”.

Ouviram-se gritinhos e risos e as portas abriram-se. Dos bancos traseiros saíram as jovens Sara e Adília que em duo se atiraram para os braços de Lena.

Com mais serenidade, apeou-se Pedro Dias, fechando o veículo.

Lena tinha à sua volta, quatro amigos mas sentiu-se sozinha. Uma mágoa ardente feria-lhe o peito.

Mónica olhou-a no fundo dos olhos:

-Os manos não vieram! – Comunicou.

-Nem Miguel? – Suplicou Lena.

-Nem Miguel.

-Porquê?

-Não sei…algum contratempo.

-É sempre o mesmo. – Exclamou Lena desolada.

-Aconteceu alguma coisa? – Interrompeu Magda.

-Olá. Não aconteceu nada. – Apressou-se Mónica a esclarecer.

-Lena estás aborrecida? – Voltou Magda a interrogar.

A rapariga respirou fundo e olhou para o céu, procurando evitar as lágrimas que a atentavam.

-Não… vamos divertir-nos.

-Vamos arrasar. – Concluiu Mónica.

Feitas as apresentações e passado o momento de pausa para aliviar, os dois veículos retomaram a viagem. Pedro Dias era o condutor particular de Sara e Adília. Já a condutora Lena levava Magda ao lado e Mónica, qual anjo da guarda, atrás.

Metade da viagem, até entrar na auto-estrada junto a Ourique, foi feita por estradas secundárias e marcada pela banalidade das conversas. Entre as raparigas do “Opel Corsa” nada se disse que as satisfizesse. Lena queria aprofundar com Mónica as razões injustificáveis que levaram Miguel a não comparecer mas sabia que só o devia fazer longe dos ouvidos de Magda. Mónica, por sua vez, preparava-se para tecer um rol de justificações: umas mais plausíveis do que outras! Magda sentia-se de certa forma incomodada, porque lhe parecia que incomodava. A paragem para o pequeno-almoço foi a meio da manhã, num “Snack-Bar” de beira da estrada. Aí juntaram-se de novo e a tensão desanuviou.

Retomada a marcha e poucos quilómetros depois, os condutores começaram a receber sinais de uma provável “operação Stop”. Lena apressou-se em pedir a Magda que retirasse do porta-luvas uma carteira com os documentos da viatura. A amiga vasculhou e cumpriu o pedido. Mostrou a carteira a Lena para que esta certificasse de que era a correcta e apercebeu-se do pequeno cordão que saiu de dentro dela.

-Olha…quase que caía! – Exclamou a rapariga, enquanto lhe pegava pela ponta dos dedos e este se desenrolava, mostrando a medalha.

-É da Mónica. Podes entregar-lho! – Referenciou Lena sem retirar os olhos da estrada.

Ao ouvir o seu nome, Mónica chegou-se um pouco à frente no banco e Magda estendeu-lhe o cordão.

Maria Madalena acrescentou:

-No dia que me vieste visitar à aldeia e te levei depois ao autocarro, parece que deixas-te cair da bolsa esse cordão.

-Quem o disse? – Perguntou Mónica.

-Uma miúda que o apanhou do chão e me o veio entregar já o autocarro tinha partido.

-Deve ter havido algum engano, porque esse cordão não é meu! – Concluiu Mónica.

-Vê a medalha porque de certo te é conhecida. – Disse Maria Madalena.

Mónica pegou no cordão e amiudou.

-Então não é o teu, aquele…

-Não! – Sentenciou Maria Madalena. – Lê as palavras.

Mónica olhou de relance.

-Desconheço-as.

-E eu também. – Afirmou Lena já aborrecida.

-Deixa cá ver. – E Magda quase arrancou o cordão das mãos de Mónica.

-“Quem Como Deus, Gemelar Germanitate”. Que quer isto dizer? – Questionou.

-Ninguém sabe. – Respondeu Mónica com uma certa brusquidão.

-Não conhecias quem to entregou? – Magda questionava agora, directamente, Maria Madalena.

-Não… - Respondeu a rapariga secamente.

Depois Magda naquela sua ingenuidade provinciana alertou:

-Cuidado. Pode ser bruxedo!

-Cala-te Magda. Vê se te instruis. – Irritou-se Maria Madalena. Este descontrole da amiga levou Mónica a pedir-lhe contenção pois os veículos da frente tinham reduzido a velocidade devido à possibilidade de surgir a Brigada de Trânsito e a fila de carros começava a adensar-se.

-Guarda o colar Magda. Ainda me pode vir a ser útil! – Rematou Maria Madalena em jeito de desafio.

Magda atirou o colar de novo para o “porta-luvas” e ficou-se muito quieta.

Mónica estendeu a mão e colocou-a sobre o ombro de Lena.

-Depois falamos, minha amiga. – Disse.

-Ai…falamos, falamos! – Resmungou Lena entre dentes.

Afinal a Brigada não os fez parar e quando era meio-dia já estavam em Albufeira. O sol brilhante, o mar calmo e tão azul, a sensação de liberdade e descontracção que só as férias proporcionam, alegraram o grupo e dissiparam contrariedades. O apartamento, embora ficasse um pouco distante do mar possuía instalações muito cómodas, bem equipadas e bastante espaçosas para cinco utentes. Como a fome apertava e a tarde estava reservada à praia, não se desfizeram as malas e foram de imediato a um daqueles restaurantes onde lhes serviram, grelhado, o melhor peixe fresco.

Pedro Dias queixava-se da sua sorte, abafado entre tantas mulheres e Sara aconselhava-o a aproveitar o momento porque para ele, sorte como aquela, devia ser rara. Aplausos e risos. Desacordo do jovem que teceu, de imediato, um rol de proezas de conquistador. Trejeitos de descrédito das raparigas. Risos do grupo. Bem-estar, convívio, amizade.

Um café, um gelado. Uma passagem pelo apartamento para se equiparem. Sacos e toalhas. Um guarda-sol que Mónica com a sua pele branca, não dispensava. Uma caminhada por ruas, sobre passeios e passadeiras, fazendo pequenas paragens para apreciar montras e no fim do trajecto, sentir os pés sobre a areia escaldante e procurar entre os corpos estendidos ao sol, um espaço que sirva para alojar o grupo.

A tarde é esgotada entre mergulhos e conversas, leitura de revistas, jogos de cartas e pequenos rituais de beleza: aplicação de cremes, escovagem de cabelos, protecção de olhos e lábios;

Entardeceu. O grupo regressa. Desfazem-se as malas, escolhem-se as instalações. Sara e Adília, juntas num quarto. Pedro Dias, solitário, no grande quarto da casa e Lena dividida entre Magda e Mónica. Foi esta, precisamente, quem colocou ordem na questão. Pedro passaria para o quarto mais pequeno, dado que os gémeos não tinham vindo e as três raparigas ocupariam a chamada “suite”. Ficavam ainda, como reserva, os dois sofás da sala. Com Magda por perto, Mónica estava certa, que Lena evitaria perguntas impertinentes!

Porque era a noite da chegada, o grupo deu-se mais uma vez ao luxo, de fazer outra refeição fora de casa e na agradável esplanada de uma churrasqueira, elegeram o frango na brasa, como um excelente jantar.

Perdem-se as horas a passear pela cidade e já noite dentro, entram num dos bares recomendados.

É já madrugada quando o apartamento acolhe, os seus novos inquilinos.

 

Sucedem-se os dias neste idílio entre o Algarve e as férias, entre o sol e o mar, entre a amizade e o bem-estar. No dia seguinte à chegada, ainda se cumpriu a promessa de tomarem o pequeno-almoço todos juntos e continuarem a descer para a praia em grupo. Depois o recolhimento tardio, o cansaço da farra e a escala de serviço que Mónica impôs, depressa contribuíram para desmobilizar o grupo. Pedro Dias já dispensara as manhãs na praia. Adília sempre que lhe cabia tratar do almoço, passava a manhã entre o mercado e as panelas. Sara, se ficara incumbida do jantar, voltava da praia a meio da tarde. Lena e Magda, preocupadas com a arrumação e limpeza do apartamento, perdiam tempo de manhã e de tarde e Mónica que geria as compras e cuidava das roupas, remetia as tarefas para os horários que lhe davam mais jeito.

Entre os amigos não existiam discórdias ou dissabores mas manter o bando coeso durante o dia tornava-se cada vez mais complicado. Naquela quinta-feira, precisamente cinco dias depois de se terem instalado no Algarve, toda a gente fez questão de voltar a reunir o grupo e passar a manhã na praia. As raparigas quase arrancaram Pedro Dias à força da cama e juntos decretaram um almoço numa pizaria para aliviar Adília da sua tarefa.

Já o dia ia adiantado e o sol escaldava quando os amigos assentaram arraiais. Mónica e Lena apressaram-se a entrar na água. As restantes alegaram necessidade de uma prévia preparação do corpo para um banho gelado em águas que, já há alguns dias, vinham acusando uma temperatura mais baixa. Pedro Dias por seu lado, preparava com azáfama uma cama no areal, estendo a toalha e colocando a mochila a servir de almofada de forma a dar continuidade ao sono interrompido.

Sara e Adília entretinham-se a aplicar os diversos protectores solares e Magda optou por se sentar a ler, sem despir a T-shirt.

O espaço em volta começou a ficar totalmente preenchido e foi preciso ajeitar o guarda-sol para que a sombra acertasse sobre a toalha de Mónica. Sara e Adília, deitadas de bruços, dedicavam-se como era seu costume, a cuidar do bronzeado. Pedro Dias já dormitava e Magda, imersa na leitura, acabava de ter uma leve sensação de escurecer que a fez levantar os olhos e olhar em frente.

Um homem extremamente elegante, alto e cuidado, com um jornal numa mão e uma cadeira de repouso noutra, óculos de sol, pequena bolsa à cintura sobre os calções pretos e emanando um odor extremamente refinado, estava estancado à sua frente, tapando-lhe o sol.

O homem olhou-a também e apercebendo-se de que estava a ser indelicado deu um passo em frente e depois, mais decididamente, avançou para Pedro Dias. Magda seguiu-o com o olhar, até porque as suas feições não lhe eram totalmente desconhecidas!

O homem pousou a cadeira e acocorou-se. Os seus músculos das pernas ficaram contraídos e aumentaram de volume e o seu peito másculo sobressaiu. Tocou ao de leve com o jornal na perna do rapaz.

-Então Pedro que fazes por aqui? – Perguntou enquanto esboçava um sorriso encantador.

O rapaz estremunhado procurou abrir os olhos mas foram as raparigas, Sara e Adília, quem deram o alerta:

-Stor Sérgio. – Gritaram.

O homem olhou na direcção do duo enquanto as cumprimentava com um aceno de cabeça e o mesmo sorriso nos lábios. Elas voltaram-se e sentaram-se na toalha e Pedro Dias estendeu a mão para cumprimentar o professor:

-Um grupo de malta veio passar uns dias ao Algarve. – Informou enquanto esfregava os olhos e procurava os óculos de sol.

O professor, que já se tinha levantado e ficara de novo enorme, soltou uma pequena risada:

-Pelo que me parece tu vieste mesmo...foi passar umas boas noitadas ao Algarve.

-Também… - Confirmou Pedro com um sorriso matreiro.

-Posso sentar-me? – Perguntou o professor enquanto desdobrava a cadeira, colocando-a entre o guarda-sol e a toalha de Pedro.

-Faça favor. – Indicou Pedro, aproveitando também ele para se ajeitar, abandonando a sua postura de corpo estendido.

-Então quem compõe o vosso grupo? – Perguntou o professor curioso.

Pedro olhou-o e brincou um pouco.

-Ainda bem que o tenho aqui porque a sua ajuda pode ser muito bem-vinda.

O professor franziu o sobrolho em jeito de desentendimento.

-Durante quase uma semana, fui um homem entre mulheres, com todas as dificuldades e perturbações que isso acarreta. – Afirmou Pedro Dias, com o dedo estendido, enquanto olhava as amigas de soslaio.

-Mentiroso. Foste tratado como um príncipe! – Contestou Adília, mudando-se de imediato para junto do amigo, enquanto ameaçava apertar-lhe o pescoço.

-Vê professor! Como um homem corre perigo estando à mercê de mulheres.

-Presumo… que podem acontecer coisas muito graves. – Gracejou o professor. - Mas digam-me, para além deste jovem tão desprotegido e destas duas jovens tão ameaçadoras, quem mais terei a honra de encontrar por cá?

Sara veio por sua vez, juntar-se ao grupo e foi ela quem informou:

-Mónica e Lena.

O professor não deixou de esboçar um sorriso enigmático que não passou despercebido a Magda.

-Ah! E está também connosco, aquela jovem ali…bastante prendada, diga-se de passagem, que se chama Magda. – Apontou Pedro Dias.

Sérgio levantou-se e aproximou-se da jovem, entendendo-lhe a mão.

-Muito prazer. Sérgio de Almeida, professor universitário.

-Magda, prima de Lena. – Respondeu a rapariga enquanto deixava estreitar a sua mão direita.

O homem retirou os óculos e olhou-a com intensidade. Embora estivesse mais moreno e despido de vestes formais, Magda apercebeu-se de imediato de onde o conhecia. Tinha-o visto com Lena, na Praça do Geraldo em Évora.

Sérgio por sua vez não lhe reconheceu as feições e depois de a cumprimentar, voltou-se, colocou os óculos e lançou um olhar para a beira-mar, procurando por certo, outro rosto mais apetecido.

Pedro Dias pareceu ler-lhe os desejos:

-As duas excelentes donzelas que fazem parte desta nossa comitiva: a serena e doce Mónica e a intempestiva e atraente Lena, foram ao banho.

-Ah! Claro…está imenso calor – Comentou o professor procurando mostrar-se desinteressado.

-Quer almoçar connosco, prof. – Perguntou Adília. – Hoje faço questão de convidar porque estou aliviada da árdua tarefa de encher a barriga a estes golipões.

-Mas também não fazes mais nada. - Contestou Pedro Dias.

-Ai não? E tu o que fazes, para além de te deitares na manhã, do mesmo dia, que te levantas à noite. – Gozou Adília.

-Olha…aturo-vos!

-Então meninos comportem-se que já são crescidinhos. – Riu-se Sérgio. - Quanto ao convite, aceito almoçar convosco se aceitarem jantar comigo.

-Onde ficou alojado, professor? – Perguntou Sara.

-Em casa própria. Tenho uma pequena vivenda nas imediações de Vilamoura, dez a doze quilómetros daqui.

-E vem à praia aqui!? – Admirou-se Adília.

-Bem…não vim cá de propósito. Apenas procuro aproveitar o resto da manhã depois de ter resolvido compromissos profissionais.

-Olha… aí vêm as meninas. – Alertou Sara.

Efectivamente as duas raparigas, saídas do banho, atravessavam o areal a passo cauteloso, abrindo caminho entre o amontoado de banhistas. Mónica vinha na frente e a sua pele branca, ainda destoava por entre os corpos bronzeados que abundavam. Lena seguia-a um tanto distraída. Mais alta e mais morena, exibia um biquíni de várias cores e trazia o cabelo apanhado no alto da cabeça. A sua pele coberta de gotículas de água, brilhava sob a incidência do sol.

Mónica fixou o guarda-sol e descobriu na sua proximidade, uma figura masculina que a perturbou. Estancou o passo e aguardou que Lena a alcançasse. Depois falou num sussurro:

-Lena temos visitas inesperadas.

-Miguel! – Deixou escapar a rapariga, enquanto elevava o olhar à procura do rapaz.

-Não! Repara…é o professor Sérgio.

Lena sentiu um arrepio que a gelou. “Fez de propósito” – pensou.

-Queres voltar à água? – Perguntou Mónica.

-De forma alguma. As minhas questões com o professor Sérgio já estão perfeitamente resolvidas. – Afirmou com segurança.

Mónica sorriu-se para dentro e as duas raparigas avançaram. Agora era Lena quem seguia na frente!

Sérgio fixava-a através das lentes escuras e via-a aproximar-se num passo seguro e desafiante. Por instantes sentiu um desejo que o sacudiu, mas logo desviou o olhar e voltou o rosto na direcção de Adília:

-Então aceitam o convite para jantar?

-Por mim tudo bem. – Respondeu Adília e Sara e Pedro confirmaram, abanando a cabeça que sim.

O rosto do homem voltou-se então para Magda:

-E a gentil menina? Dar-nos-á o prazer da sua companhia?

-Onde? – Interrompeu Maria Madalena que a passos largos já alcançara o grupo.

O Professor levantou-se.

-Maria Madalena...como está?

-Bem obrigado. – Respondeu a rapariga secamente.

O homem não reagiu e optou por cumprimentar Mónica que se aproximara.

-Mónica, a guardiã! Bons olhos a vejam.

-Professor Sérgio… que surpresa! – Exclamou Mónica sem a evidenciar.

-Olhe que a minha não é menor. Quem me havia de dizer que encontraria aqui os meus melhores alunos! – Comentou o homem, mostrando sinceridade, enquanto Lena lhe lançava um olhar de desconfiança.

-Estava precisamente a endereçar aos vossos amigos um convite para jantar. – Confessou o professor. – E…porque eles estão todos de acordo, faltam apenas as meninas dizerem de vossa justiça.

Maria Madalena agarrara a toalha, embrulhando-se nela para tapar o corpo exposto e Mónica vestia sobre o fato de banho uma túnica longa. Nem uma, nem outra se dignaram a responder.

Magda mais atenta, denotou um certo embaraço e voltando-se para o professor:

-Não tive oportunidade de responder à pouco. Mas será uma honra aceitar esse convite, para jantar em sua casa.

-Em sua casa? – Admirou-se Maria Madalena.

-Sim, em minha casa, Lena. Estou alojado aqui bem perto.

Foi a primeira vez que a rapariga o fixou de frente.

-Em Albufeira? – Perguntou.

-Em Vilamoura. Conhece?

-Não.

-Então será com muito prazer que a receberei!

Lena procurou o rosto de Mónica.

A rapariga veio em seu auxílio:

-Eu…sinceramente, apetecia-me hoje jantar qualquer coisa leve e deitar-me cedo.

Pedro Dias mostrou o seu aborrecimento.

-Mónica não sejas desmancha-prazeres. Insistiram tanto para estarmos todos juntos e agora querem separar o grupo. Porque eu, minhas amigas…irei.

-Eu também me apetece ir. – Afirmou Adília.

-E eu também. – Reafirmou Sara.

-E como a menina Magda também já confirmou que está disposta a ir, vence a maioria. – Concluiu o professor.

Lena e Mónica já não vincaram mais a sua posição.

 

 

Atalaia 4 - [capitulo 9]

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Na primeira semana de Agosto as pinturas na casa ficaram concluídas. Maria Madalena respirou então de alívio. Durante algum tempo iria ficar livre da pressão quotidiana do grupo de mulheres encarregues de zelar pelos domínios nubentes.

Receosa de que os seus desvios, por mau caminho, viessem a ser constatados, a rapariga andava cautelosa e agradável. Prestava-se a descrições pormenorizadas exigidas pelo namorado, concordava com as exigências da mãe e estava determinada a deslocar-se a Évora em companhia da madrinha para escolher o modelo do vestido de noiva.

Entregue ao inevitável, a rapariga, deixava o tempo correr ao sabor dos ditames agendados e desejava, para sossego do seu espírito, que tudo se encaixasse na ordem estabelecida. Retomou assim, a amizade de Magda que andava um pouco apagada, visitando-a até na sua própria casa, o que levou a amiga e D. Angélica a ficarem particularmente agradadas por essa reaproximação, prontificando-se para ajudar no que fosse preciso. Já D. Olívia continuava na defensiva e mesmo sob os protestos da irmã, continuava a não confiar nos bons resultados do contrato estabelecido.

O que mais estarrecia Lena era a possibilidade de Sérgio aparecer na Aldeia! Descontrolado como lhe parecera, poderia colocar em causa a sua segurança, reivindicando a sua atenção e entrega. Desesperava quando recordava as suas palavras “Conheço tudo sobre a tua vida - sei onde moras, quem são os teus pais e já apreciei a tua nova mansão.”, Sinal de que já teria andado por aquelas bandas. Sabe Deus quando? As coisas complicavam-se e Lena sabia que tinha de rematar todas as pontas que a sua leviandade andava a deixar soltas. Mas como? Era a derradeira pergunta. Pois bem, agora que o ano académico estava concluído só voltaria a Évora para renovar a matrícula e comunicaria ao pai a sua vontade de cancelar o contrato de aluguer da casa, evitando assim continuar perto de Mónica e com Miguel tão acessível. Évora passaria de residência permanente a local de visitas fortuitas. Também, logo que o casamento se concretizasse, as exigências da sua nova vida iriam ditar-lhe uma luta renhida para manter os estudos, certa de que estudos e desposar Paulo seriam perfeitamente incompatíveis.

No Domingo de manhã acompanhou a mãe à missa, no intuito de estabelecer o primeiro contacto com o padre. D. Olívia também se acercou, com a identificação do filho, para se informar do necessário.

Quando abandonou a igreja em companhia da mãe e da irmã Vera, alguém a esperava no largo! A figura querida de Mónica foi uma bênção para os seus olhos! A rapariga correu para si com um sorriso largo e aberto apertando-a nos braços.

-Lenita...vives no fim do mundo. O que eu penei para cá chegar!

Lena não se esquivou ao abraço da amiga, embora ainda sentisse em si um certo sentimento de mágoa. No entanto apresentou a amiga à mãe que, na sua secura, não se entusiasmou e só Vera atenuou a frieza, rejubilando com a nova amizade.

Seguiram para casa, acompanhadas pelo olhar contrariado de Magda que sentia a presença de intrusos no terreno que julgava seu!

Depois de comunicar à mãe que Mónica ficaria para almoçar, encaminhou a amiga para o interior do quarto e a muito custo dissuadiu Vera de as acompanhar.

-Não precisas de perguntar nada. Eu mesma me justificarei. -Foram as palavras de Mónica quando ficou frente a frente com Lena.

A rapariga consentiu e sentou-se na cama indicando a Mónica que tomasse lugar junto de si.

-Os irmãos estão com alguns problemas...

-Quais? - Quis Lena saber com o coração sobressaltado por julgar Miguel em perigo.

A amiga no entanto, solicitou-lhe sossego, para poder continuar:

-Quando foram a minha casa, naquele dia, necessitavam de alguns conselhos que só a sabedoria misteriosa de minha avó lhes poderia dar.

-Porquê? - Quis Lena saber, sem paciência para esperar as palavras escolhidas e calmas com que Mónica se justificava.

-Minha avó tem um Dom. Não me perguntes qual, são lá coisas dela. Gabriel sofre de qualquer distúrbio do espírito. Também não sei qual mas ele fica fora de si e nesses momentos altera-se completamente e só Miguel consegue acalmá-lo. Nesse dia, quando abandonas-te a minha casa, seguimos as indicações da minha avó e todos juntos rezámos para afastar o mal de Gabriel!

-Mas a tua avó não estava em casa.

-Estava sim tu é que não a viste.

-Já agora...-e Lena queria tirar a limpo outras situações. -o que fazia a minha fotografia pendurada num Santo no quarto da tua avó?

Mónica ficou perturbada e desviou o olhar da amiga.

-É como te digo. A minha avó tem um Dom. Sabe proteger as pessoas contra certos males.

-Mas que males é que eu posso ter. Isso é só treta. - Lena levantou-se impaciente. -Digo-te não gostei. Detestei até...fez-me lembrar quando se vai à bruxa para enredar a vida desta ou daquela como a minha mãe acredita acontecer. Eu sou como o meu pai não acredito em crendices...!

-Ok, Ok, vamos com calma. Não é nada disso. Eu falei á minha avó na tua situação, no teu problema com o casamento e ela disse “Faz-se uma protecção, tens uma fotografia” e foi assim. Nada demais!

-E depois veio o Rafael em segredo, colocar-me ao pescoço este cordão. - E mostrou-o à amiga.

-Eles estão desesperados. Acreditam que algo de sobrenatural os rodeia! Têm tido vários contratempos: a doença do pai, as dificuldades do negócio, os problemas de Gabriel, enfim um rol de contratempos que os torna vulneráveis e sensíveis.

-Pois eu acho que há ali muitas atitudes estranhas e gostava de apanhar Rafael sozinho sem a presença dos outros dois. -Maria Madalena convencia-se dessa necessidade, andando às voltas pelo seu próprio quarto, enquanto Mónica se mantinha sentada sobre a cama, sem alterações visíveis.

-Acredita, à volta destes três, há demasiados mistérios e enigmas. E o mais aberrante é que eu pareço fazer parte deles!

-Claro que não. - Afiançou Mónica – não serás tu a ver coisas onde elas não existem?

-Não...acredita que não. Vê bem... o mesmo Santo do altar da tua avó está na medalha de Rafael. Eu arranco a fotografia e logo a seguir ganho um cordão.

-Deixa-o estar. Não te prejudica. Nem a foto no oratório da minha avó. Nunca a devias ter retirado.

-Já te disse...não gosto dessas merdas. Se eu fosse ligar a tudo o que me vem acontecendo estava tramada. - Aqui esboçou um sorriso de troça - um filme de terror, digo-te eu!

Mónica voltou a incomodar-se.

-Devias rever a tua vida. Pelo que percebi já marcas-te o casamento na igreja?

-É verdade. Fui lá hoje falar com o padre. Coisas que têm que ser feitas. -resignou-se.

-É aqui que estás muito enganada.

Maria Madalena enfadou-se.

-Tu já estás como o Miguel. A verdade é que eu tenho que cortar mesmo com o passado. Mas com o passado recente. Esse é que eu já não controlo.

-E o Professor Sérgio?

Lena ficou estática, apanhada de surpresa.

-Outro problema na minha vida. Como vês são vários. Ao contrário dos irmãos os meus não são nada sobrenaturais, são do domínio natural, verdadeiramente desencadeados pela natureza humana.

-Maria Madalena não penses que sabes tudo. Às vezes és demasiado racionalista.

-E tu demasiado moralista.

Houve alguns momentos de tensão e foi Mónica quem os relevou, brincando um pouco:

-Mas qual é a verdadeira razão desta minha visita? Menina adivinhe?

Maria Madalena não encontrava outras razões que não fosse a necessidade da amiga se justificar por isso encolheu os ombros, denotando desinteresse.

Mónica procurou a bolsa, retirando dela um documento. Depois estendeu a folha de papel a Lena.

-Reserva num aparthotel! Férias no Algarve. - Lena gritou de entusiasmo. -Quem vai? Quem vai?

-Todos.

-Todos quem? O Miguel vai?

-Vai sim, ele garantiu. Eu, tu, o Miguel, o Pedro Dias, a Sara e a Adília. Tudo confirmado. -Mónica agora em pé perguntava. -Então estás contente?

-Fantástico.

Maria Madalena já relevava para segundo plano os compromissos que ainda há pouco tinha dado como certos e sentia-se, mais uma vez, no direito de gozar alguns momentos de descontracção. Aproveitaria a presença de Mónica para arquitectar um plano junto de sua mãe. O melhor era ela nem sonhar com a presença de rapazes!

 

Acertados os pormenores das férias, assentou-se perante Maria Manuela que a visita de Mónica era um convite expresso para Lena passar com ela, uma quinzena na praia em casa própria que a família possuía no Algarve. A mãe ainda se mostrou contrariada, certa das decisões erradas que a filha teimava em tomar. Joaquim, no entanto, deitou água na fervura e achou por bem que a filha desfrutasse de alguns momentos de lazer. As despesas do evento preocupavam a rapariga e nem a isso seu pai se mostrou alheio, quando em segredo se aproximou da filha, depositando-lhe nas mãos, considerável quantia. “Foi de um trabalhinho aos Domingos!”, sussurrou-lhe enquanto lhe pedia silêncio e descrição.

Restava a Maria Madalena levar Mónica até Portel onde esta encontraria transporte de regresso a Portalegre, evitando que a amiga voltasse a fazer despesa com o aluguer de um táxi. Assim iniciaram viagem, ao final da tarde ocupando-se Lena de guiar Mónica pelos espaços envolventes depois de lhe ter mostrado, com orgulho, os melhores recantos da sua terra. Não teve, no entanto, coragem de a levar à casa prometida, nem Mónica se mostrou interessada em conhecê-la!

Avançavam pela estrada em marcha regular, animadas por conversa casual que praticamente se cingia a pormenores do trajecto ou a situações banais ligadas a vivências comuns. Falavam alto e riam enquanto o veículo galgava o caminho sem sobressaltos. Uma lomba, uma descida acentuada e um troço de recta interrompido. Mónica leu em voz alta e o seu riso sonoro e aberto estancou, de repente, ensombrado:

-ATALAIA – 4...

Maria Madalena habituada ao espaço, não ficou surpresa com as palavras mas sentiu uma curiosidade estranha provocada pela mudança de humor repentina de Mónica. Avagou a velocidade e lançou sobre a amiga o desafio.

-Queres conhecer este lugar?

-E tu...conheces? - Perguntou Mónica, enquanto se apercebia que Lena não a deixaria decidir, pois de imediato guinou o volante virando à esquerda e entrando na estreita estrada da Atalaia. Só aí parou.

-Conheço. É um lugar antigo e solitário. Praticamente em ruínas, no entanto, transmite-me uma paz invulgar. Preenche-me, ajuda-me a reflectir e a questionar-me.

Mónica olhava em frente, ainda temerosa, enquanto voltava a questionar a amiga:

-Paz? Não te iludas. - Depois fez uma pequena pausa. Colocou a cabeça pela janela aberta e olhou em frente, para a estrada estreita que se desenrolava. Inspirou fundo e arrepiou-se. Quase num sussurro, exclamou: -Este lugar exala vibrações maléficas!

Agora foi a vez de Maria Madalena rir em sinal de troça.

-E quem as lança. Ninguém vive por estes lugares. -e mentalmente procurou assegurar-se das suas certezas, embora situações inexplicáveis a fizessem sobressaltar.

Mónica pareceu aperceber-se do seu ligeiro sobressalto porque a questionou com azedume:

-E atalaia não te parece um aviso...

-Um aviso? Porquê...que eu saiba o lugar e o nome existem há séculos.

-Sim...mas a placa, aquela...e olhou para trás. É um aviso. Devias saber lê-lo.

-Eu...? E diz-me o quê? A mim e a muitas outras pessoas que por aqui transitam. -Maria Madalena estranhava a atitude de Mónica e estava já decidida a retomar a marcha em direcção a Portel.

A amiga, no entanto, voltou-se para ela e segurou-a pelos ombros enquanto a fixava insistentemente:

-Para o geral das pessoas não passará de uma placa de informação quero, no entanto, que te concentres em ti, na tua própria vida. Que te diz “atalaia 4”? - Maria Madalena encolheu os ombros e Mónica continuou com o mesmo entusiasmo, acentuando e vincando as palavras:

-Que te ponhas à espreita, de sobreaviso, de vigia...não, não, espera...que te observam a ti...secretamente, não, não, deixa-me concentrar...-Mónica comprimia agora a zona frontal, fechando e apertando com força os olhos, procurando encontrar a verdadeira resposta no fundo da sua mente.

-Sim...”estar de atalaia” contra quatro. É esse o aviso, o sinal. Percebes?

Não, não percebia. E Mónica estava transfigurada, passara de pessoa normal a alguém mentalmente perturbado.

-Que dizes Mónica, estás a enlouquecer. Vamos voltar ao trajecto inicial, levo-te a Portel e vê se te recompões.

-Não...espera. Ainda tenho tempo. Continua, quero conhecer a Atalaia.

-Mónica que pensas tu que é a Atalaia. Não passa de um lugar perdido nas entranhas deste Alentejo.

-Quero ir! - Mónica esbugalhou os olhos, decidida a fazer Maria Madalena entender.

O automóvel avançou até metade do trajecto e Mónica continuava impaciente.

-Ainda falta muito?

-Mais ou menos dois quilómetros. Sabes “quatro” quer dizer 4 km! - Lena afiançou contrariada, enquanto olhava Mónica de soslaio.

A amiga não respondeu, mantendo o olhar colado na estrada estreita que se desenrolava, expectante do que surgiria.

-Aqui...-Gritou e Maria Madalena descontrolou-se de tal forma que o carro ameaçou resvalar pela barreira abaixo.

-Pára. Quero sair...- e Mónica saltou do carro com este ainda em andamento.

Lena começava a ficar seriamente preocupada, quase desconhecia a amiga, cada atitude era mais estranha que a outra. Estancou o automóvel e ficou lá dentro a olhar a rapariga esgazeada que xeretava na berma do caminho qualquer coisa desconhecida. Catava entre o pasto seco, desviando os juncos e de lá apanhou objecto ou elemento que se apressou a guardar dentro da bolsa de pano que trazia traçada.

Entrou e sentou-se.

-Que estiveste a fazer? -Perguntou Maria Madalena com os olhos postos na bolsa de ganga com missangas incrustadas.

-Coisas minhas. Vamos avança. - Ordenou-lhe Mónica secamente.

-Mónica vê se atinas, estás completamente descontrolada. Se a estrada não fosse tão estreita e me permitisse inverter a marcha mesmo agora voltava para trás.

-Nem penses nisso...-Mónica desesperou. -Agora mais do que nunca, preciso de pisar o solo daquele lugar.

-Que estupidez...-resmungou Lena, entre dentes, desagradada.

Ficaram em silêncio e o carro avançou estrada fora só parando na Atalaia.

Mónica não esperou por Lena, apeou-se e perdeu-se no emaranhado das construções. Maria Madalena ainda pensou em segui-la mas depois decidiu ficar encostada ao carro, espraiando a vista pela paisagem límpida que se desenrolava a sudoeste. Os seus olhos bateram então na construção situada à esquerda da estrada, ligeiramente oculta pela ondulação do terreno. Um monte rural de consideráveis proporções, cuja implantação deixava as traseiras viradas para a estrada em vez, de como era comum, lançar a fachada.

Lembrou-se que só daquele lugar poderia ter surgido a figura masculina a reclamar o cão.

É verdade. Nada mais soube sobre eles. Homem e animal. Será que os encontraria se os procurasse ali? Outro dia, porque hoje o tempo já escasseava para cumprir o horário do transporte. Resolveu então procurar por Mónica. Onde se demorava aquela maluca? Rodeou o monte, meteu pelo corredor, passando à horta e a escassos metros do portão do cemitério. Contornou a igreja e ficou de frente para ela. Nem sombras de Mónica. Só a porta principal, ligeiramente entreaberta, acusava ruído estranho, próprio de passos interiores.

-Mónica...- gritou. -Estás aí dentro. Tem cuidado que isto está perigoso.

Nem resposta. Apenas um murmurar abafado e incompreensível. Maria Madalena aguardou, determinada em manter-se em solo profano sem ousar devassar o espaço sagrado. No entanto era a sensação de ficar aprisionada no útero daquele lugar que lhe causava arrepios! Mónica, ao que parece, tinha facilidade em mover-se lá dentro e não parecia disposta a sair.

Com passos lentos e pequenos a rapariga aproximou-se da porta entreaberta, apoiou-se no portal, introduziu a cabeça e espreitou lá para dentro! Não viu, de início, fosse o que fosse. Habituado à claridade do dia o seu olhar retraiu-se e apertou-se, enquanto tentava vislumbrar na escuridão do interior a figura desaparecida. Cheirou-lhe a guardado, a espaço fechado, mofento, asqueroso até. O calor libertava e acentuava os odores. Ao fundo da nave, no que parecia ter sido a capela-mor, uma figura ajoelhada, frente ao altar principal, tecia um ritual de orações. O primeiro impulso de Maria Madalena foi entrar e arrastar a amiga para fora daquele espaço perdido. Depois conteve-se e contemplou a rapariga que entregue aos seus propósitos se mostrava praticamente alheada do que a envolvia. Respirou fundo e esperou. Alguns minutos se passaram e Mónica levantou-se, deu alguns passos em frente, abriu a boca, como quem recebe a hóstia sagrada, disse “amén” e regressou de cabeça baixa até ao fundo da nave. Aí parou, voltou-se, flectiu a perna direita e fez o sinal da cruz. Maria Madalena afastou-se do portal para deixar Mónica sair. Quando o sol vivo do entardecer lhe bateu no rosto a figura de Mónica parecia de cera. Fixou a amiga sem se alterar, baixou a vista e deitou-lhe aos pés um punhado de terra que trazia fechado na mão esquerda!

-Lamento... nada mais posso fazer por ti!

Lena pela primeira vez sentiu-se abalada. Porque se mostrava Mónica tão fora de si. Abraçou-a.

-Mónica querida...tu não estás bem. Vamos embora já daqui e quase que a arrastou até ao carro, sem que esta recuperasse.

Retomaram a viagem, descendo a estrada em linha recta, enquanto Mónica permanecia muda e estática com os olhos cerrados, recostada no assento ao lado de Lena.

Em determinada altura agitou-se e em desespero gritou:

-Pisaste e encontraste...Oh! Que falta de sorte. Depois deitou as mãos ao rosto e começou a soluçar.

Maria Madalena preferiu ignorar. Estava determinada a chamar Mónica à razão logo que abandonasse o atalho da Atalaia. Sentia, contudo, uma ligeira contrariedade porque também ela começava agora a dar maior importância a determinadas situações e a equacionar para elas, outras impossíveis, explicações!

 

O resto da viagem decorreu surda e muda. Mónica ia-se recompondo a pouco e pouco e Maria Madalena averiguava, de vez em quando, pelo torcer do olhar o modo de estar da amiga e sentia-se mais agradada pelo facto de esta aparentar já uma certa normalidade. Entraram em Portel e avançaram para o terminal rodoviário. Os desvios que fizeram pelo caminho, resultaram numa perda de tempo que motivou a chegada em horário apertado. Como o autocarro para Évora já estava na pista, Lena incitou Mónica a apressar-se para comprar o bilhete e esta entrou no edifício em passo de corrida, enquanto a amiga a aguardava cá fora.

Quando Mónica voltou com o bilhete, as duas raparigas só tiveram tempo de se abraçarem. O motorista apressava a entrada dos passageiros enquanto o motor ligado anunciava a rápida partida do autocarro.

-Até breve. – Sussurrou Mónica.

-Vamos sobe…boa viagem. – E Maria Madalena ficou a agitar a mão, enquanto Mónica ocupava lugar junto à janela, para lhe acenar também.

O autocarro arrancou e inverteu a marcha, tomando a direcção da saída. Mónica ficou do lado contrário. Lena quieta e pensativa respirou fundo enquanto sentia um leve roçar de pele macia pela sua mão…

-Menina… -Ao som do chamamento suave Lena virou-se e viu uma menina de tez branca, olhos azuis e cabelos louros, parecendo um anjo.

-A sua amiga deixou cair isto…da bolsa, quando tirou a carteira.

Lena lançou o olhar e estendeu a mão.